Rui Rio e Paulo Rangel mediram forças esta segunda-feira numa espécie de debate em diferido. Os dois candidatos à liderança do PSD gravaram duas entrevistas distintas à RTP3, sem que um e outro soubessem o conteúdo das respostas dadas, e tentaram marcar as diferenças das duas candidaturas à presidência do maior partido da oposição.

Rangel foi quem deu o tiro de partida. “Rui Rio tem tido sempre um discurso que prevê acordos e consensos com o PS. É um líder do sistema. Está há 40 anos no sistema“, atirou o eurodeputado, tentando evidenciar as diferenças para Rui Rio.

Minutos depois, o líder do PSD responderia. “A maior diferença [entre nós] é a preparação para o cargo de primeiro-ministro. Paulo Rangel vai ter de fazer um curso intensivo. É dificílimo alguém se conseguir preparar para primeiro-ministro num espaço tão curto de tempo.”

Bola de novo para Rangel, que antes tinha ensaiado uma resposta para uma crítica já feita pelo adversário direto. “Sou candidato a primeiro-ministro do PSD. Não estou a concorrer para ser vice-primeiro-ministro. Para isso é que não estou preparado”, sugeriu o challenger referindo-se às sucessivas declarações do adversário sobre possíveis consensos com o PS, “ganhando ou perdendo” as próximas legislativas.

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Rio devolveria mais tarde: “O meu adversário interno está a tentar passar entre os pingos da chuva“. Tese do líder social-democrata: se entende que o PSD não está em condições de ter maioria absoluta, então não pode excluir vir a governar com o PS, predispondo-se para fazer o mesmo caso António Costa venha a vencer as próximas legislativas. “Se quero isso para mim em nome do interesse nacional, tenho de estar disponível para o simétrico.”

Na primeira parte, Rangel tentou antecipar o discurso de Rio e voltou a insistir na colagem de Rio aos socialistas, lembrando as declarações recentes de Eduardo Ferro Rodrigues ou de Augusto Santos Silva, que esta segunda-feira, em entrevista ao Observador, puxou por Rui Rio e acusou Rangel de representar a herança do passismo. “Se os socialistas estão interessados em que Rui Rio seja o líder do PSD isso diz muito”, provocou Rangel.

Rio insistiria na tecla da alegada falta de preparação de Rangel — foi, de resto, o maior trunfo que trouxe para esta entrevista-debate na RTP3. “[Paulo Rangel] está sempre em ziguezagues, a ziguezaguear por aí. Não tem o discurso e a preparação consolidada.”

Os dois candidatos foram também confrontados com os seus dois maiores handicaps nesta altura do campeonato. Primeiro, Rangel. O eurodeputado parece ter melhores condições para vencer as diretas, mas as sondagens dão Rui Rio como favorito. Ou seja, Rangel pode ganhar o partido, mas arrisca-se a perder o país.

Na resposta, o challenger driblou a questão das sondagens (“São uma ferramenta“, disse) e voltou-se novamente para o país e para o desígnio de um PSD maioritário, a única fórmula de derrotar os socialistas. “O voto no PS é um voto inútil, por isso apelo ao voto útil no PSD.”

Depois, Rui Rio. O líder do PSD foi confrontado com a perda expressiva de apoios junto das estruturas do partido e como isso pode hipotecar as suas hipóteses de vencer as diretas. Ou seja, apesar de ter, em teoria, melhores condições do que Paulo Rangel para vencer António Costa, pode não conseguir sequer vencer o partido.

O líder social-democrata tentou dar a volta ao guião e falar diretamente para as bases ou para aquilo a que se convencionou chamar “voto livre”. Diz Rio que o partido já não se resume a “uma série de caciques” que mandam no partido. “Não é isso que é decisivo. Aquilo que eu quero é o apoio dos portugueses, em primeiro lugar, e o apoio dos militantes.”

As ideias para o país

Nestas duas entrevistas, conduzidas pelo jornalista Vítor Gonçalves e transmitidas de forma consecutiva, houve ainda espaço para que os dois candidatos à liderança do PSD falassem das ideias que têm para o país. Sem grande surpresa, Rio e Rangel não estão muito longe um do outro: ambos querem um país a crescer mais e capaz de garantir mais emprego e melhores salários.

Rangel, particularmente duro com António Costa, responsável pelo “colapso” de vários setores, da Saúde à Educação, elencou a reforma fiscal (em particular no IRC), a reforma da Justiça (mais célere, mais digitalizada), a desburocratização da Administração Pública e aposta na formação e requalificação dos trabalhadores.

Rio esteve mais ou menos alinhado. Para o líder do PSD, é imperativo resolver o “principal bloqueio” do país: uma economia estagnada, que “canaliza o crescimento económico através do consumo público e consumo privado”, que não é capaz de produzir mais e melhor e, por conseguinte, não é capaz de oferecer mais e melhores salários, sem esquecer, naturalmente, da reforma fiscal (também com especial incidência no IRC) defendida por Rio desde 2019.

O líder social-democrata falaria ainda da reforma da Segurança Social e do sistema eleitoral como eixos fundamentais para dar um novo futuro ao país e reforçar a confiança dos portugueses nas instituições.

Sem debates agendados, foi o mais perto que Rui Rio e Paulo Rangel estiveram de um frente a frente. O último e verdadeiramente decisivo acontece já este sábado, quando os militantes sociais-democratas forem convocados a escolher quem vai enfrentar António Costa nas próximas legislativas.