O bebé que morreu há uma semana à nascença, filho de uma migrante iraquiana que entrou na Polónia procedente da Bielorrússia, foi esta terça-feira sepultado no cemitério muçulmano da localidade polaca de Bohoniki.
O contexto é o de uma crise migratória que está a transformar-se em tragédia humanitária, que o Ocidente acusa o regime bielorrusso do Presidente Alexander Lukashenko de causar, ao atrair para o seu território, e até às fronteiras externas da União Europeia, migrantes sobretudo originários do Médio Oriente, em retaliação contra sanções comunitárias.
A UE impôs sanções ao regime de Lukashenko após a sua reeleição em 2020, num escrutínio que a comunidade internacional classificou como fraudulento, a violenta repressão da contestação popular que se lhe seguiu, a detenção arbitrária de opositores e o desvio de um avião comercial para prender um jornalista bielorrusso independente.
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A Polónia registou, nas últimas 24 horas, 174 tentativas de atravessar a sua fronteira de forma ilegal, a partir da Bielorrússia — menos que em dias anteriores, porque o mau tempo, com o primeiro nevão, e a ação das forças de segurança polacas estão a dificultar a entrada dos migrantes.
Não existem dados definitivos sobre o número total de migrantes mortos até à data, mas segundo a guarda fronteiriça polaca e organizações locais, registaram-se pelo menos 12 mortes do lado polaco da fronteira.
O bebé HalikariDhaker morreu ao nascer, quando a mãe foi atendida de urgência após passar vários dias na zona florestal da fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia, onde se encontrava com o marido e mais cinco filhos.
Tratou-se do quarto migrante do Médio Oriente a ser sepultado na pequena povoação rural do leste da Polónia desde o início da crise fronteiriça, com milhares de migrantes concentrados do lado bielorrusso da fronteira, na esperança de lhes ser concedida entrada em território da UE, em acampamentos precários e sujeitos às temperaturas baixas da época.
Muitos migrantes perdem-se na floresta durante dias, ao tentar passar a fronteira, e precisam de assistência médica quando são encontrados por organizações não-governamentais (ONG) e voluntários, como os da organização Ocalenie, que entram em ação quando são alertados por vizinhos da presença de forasteiros na zona.
Os ativistas, que trabalham em equipas que se revezam a cada poucos dias, veem-se obrigados a esperar que os migrantes saiam da zona proibida de três quilómetros a partir da vala fronteiriça e só então podem prestar-lhes primeiros socorros.
Uma das ativistas, Agata Ferenc, citada pela agência noticiosa espanhola Efe, sublinhou que parte da sociedade polaca é muito solidária, mas que outros setores são influenciados pela informação difundida pelas autoridades e acreditam em ideias negativas sobre os migrantes.
“Creem que a imigração mudará a nossa cultura, nos fará qualquer coisa de mal”, explicou.
Entre as iniciativas solidárias, destacou a colocação de luzes verdes nas casas que estão dispostas a ajudar os migrantes, a dar-lhes comida e roupa sem alertar as autoridades para a sua presença.
A campanha pretende oferecer um pouco de segurança aos migrantes que, por vezes, põem em perigo a saúde, escondendo-se nas zonas florestais por medo de que as forças de segurança polacas os transportem de volta à Bielorrússia.
O Governo polaco está a apostar na crise fronteiriça para “mostrar que o país está numa situação de perigo e que são eles quem pode salvá-lo”, o que não é verdade, até porque os migrantes “são apenas algumas centenas de pessoas”, segundo a ativista.
Por exemplo, nós trabalhamos numa equipa de três mulheres e não temos medo de ir de noite, às quatro da manhã, ajudá-los, não temos medo”, insistiu.
Inquirida sobre se a Polónia está a respeitar os valores comuns da União Europeia, ao negar-se a acolher os migrantes, Agata Ferenc respondeu: “A sociedade europeia mostra que os nossos valores são manter o nosso nível de vida”.
A voluntária acrescentou que ela, que estudou numa escola soviética, é católica e viajou pelo mundo, nunca ouviu, em lado nenhum, que esteja certo “não reagir perante situações como esta”.
“Por isso, às vezes sinto-me como uma menina pequena que se interroga sobre como é isto possível”, concluiu.