Cristina Rodrigues anunciou que não vai ser candidata nas próximas legislativas, mas sobre ter recebido convites não responde e coloca o foco na decisão pessoal. Depois de ter deixado o PAN, a deputada não-inscrita diz que conseguiu produzir mais trabalho e aguarda com expectativa pelos resultados eleitorais, embora ache “muito difícil” que o partido “volte a registar a mesma votação”.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com a entrevista à deputada Cristina Rodrigues]
Cristina Rodrigues, deputada não inscrita: “Acho difícil que o PAN tenha a mesma votação”
Recebeu algum convite de algum partido para integrar as listas para estas eleições?
É engraçado o interesse que tem suscitado essa questão. O mais importante é que a minha decisão foi a de não ser candidata.
Não se aproximou de nenhum partido? Francisco Guerreiro que também saiu do PAN já anunciou que se vai juntar ao Volt, por exemplo
Neste momento não tenho qualquer previsão de me juntar a qualquer partido. A saída do PAN foi muito difícil, dediquei alguns anos da minha vida ao crescimento do partido e neste momento não estou preparada para me juntar a outro
Muito menos para uma reaproximação? Não existem condições?
Neste momento não. Eu sempre disse que o meu problema não era ideológico, é com algumas pessoas e neste momento não existem condições para uma reaproximação, ideologicamente nunca existiu um afastamento do PAN.
Alguma vez se arrependeu dessa decisão de passar a não-inscrita?
Nunca. Foi a melhor decisão que tomei, até porque continuar um mandato sem conseguir trabalhar era enganar os eleitores e muito frustrante. Trabalhei muito para que o PAN crescesse e aumentasse a representação parlamentar e de alguma forma sentir que aquele meu lugar estava a ser ocupado sem utilidade, não faria sentido. A minha saída, apesar da rotura, permitiu-me fazer mais trabalho do que o que teria feito se tivesse continuado no partido. Como não-inscrita “obedeço” aos eleitores e não aos partidos.
Nos partidos há uma parte dos trabalhos, das queixas, que já vem filtrada. Como não inscrita continuou a ser procurada pelos eleitores? Como é que foi essa mudança?
Muito. Já ia falando com as pessoas para saber o que é que as preocupava, mas depois de ter saído do partido apostei nas redes sociais que deixou as pessoas mais à vontade para falarem diretamente comigo. Quando voltei de férias este verão coloquei uma publicação a pedir sugestões e nunca me passou pela cabeça que viesse a receber tantas. Respondi a quase toda a gente e tenho pena de não ter tido tempo, por causa da dissolução, para ter dado o seguimento devido a essas solicitações, mas existe uma proximidade muito grande.
Por oposição, não ter um partido por trás deduzo que a prejudique nalguns projetos, por não ter essa força para andar com os trabalhos? Apontou por exemplo o caso do alargamento da prescrição de crimes sexuais.
Claro, nessa votação em particular os dois maiores partidos abstiveram-se. Demonstra que têm abertura para trabalhar o assunto mas também que teríamos algum trabalho longo na especialidade para chegar a um consenso numa matéria que é importante e sensível. Com imensos trabalhos legislativos em curso acaba por se dar prioridade àqueles que os maiores partidos consideram mais importantes. Ainda assim, conseguimos terminar projetos importantes como a lei de bases do clima, o teletrabalho, o fim da descriminação para a dádiva de sangue. Projetos onde tive uma intervenção importante e onde, num quadro de tempo escasso, fizemos o melhor que conseguimos.
Essa questão da legislatura ter sido interrompida. Que assuntos é que tinha ainda por pegar e que não vai conseguir?
Um dos assuntos que assumi que queria voltar era tornar a violação crime público, dando resposta também a uma petição que já tem mais de 100 mil assinaturas e que tinha sido rejeitada na anterior sessão legislativa. A própria petição demonstra que a sociedade civil dá importância ao tema e depois existiam outros: esse da prescrição dos crimes sexuais, a da caixa de previdência dos solicitadores, mas temos que aceitar.
Que momentos é que guarda como maior conquista destes dois anos?
A lei de bases do clima é fundamental e um passo muito importante. O reconhecimento do estatuto de vítima para as crianças no contexto de violência doméstica acho que é um momento importantíssimo, até porque tinha sido rejeitado anteriormente. Também aqui foi muito importante existir uma petição e isto é importante para que as pessoas percebam a importância deste instrumento para fazer chegar à Assembleia da República aquilo que são as suas preocupações. Existem depois temas que não foram debatidos ou votados mas que trouxemos para cima da mesa: a violência obstétrica, que não se falava por se ter algum receio com o termo, porque a classe médica fica particularmente chateada. É importante dizer que não achamos que todos os médicos a praticam, mas existe.
“Estou muito curiosa com os resultados destas eleições e não só relativamente ao PAN”
Como é que olha para a próxima Assembleia da República e em particular para o PAN, que já disse na apresentação dos candidatos que o objetivo é manter o mesmo número de deputados. Acredita na manutenção, no crescimento ou na queda?
Estou muito curiosa com os resultados destas eleições e não só relativamente ao PAN. Acredito que podem existir alterações muito substanciais. Relativamente ao PAN, foi noticiado que nem sequer vai concorrer a todos os círculos, o que mostra um retrocesso face há dois anos e até face há seis anos em que também se conseguiu concorrer em todos os distritos. Alguma coisa não está a correr como deveria, no sentido normal e ascendente de um partido que já não é assim tão jovem, como foi dado como desculpa várias vezes. Acho muito difícil que o PAN volte a ter a mesma votação. Os resultados das autárquicas foram francamente maus, principalmente quando comparados com outros partidos mais recentes e não prevejo que tenham um resultado incrível, mas nas eleições nunca se sabe e os eleitores têm sempre a capacidade de surpreender.
O caso das estufas de Inês Sousa Real pode pesar nos resultados do PAN?
Sim. Sendo líder do partido, naturalmente que tem impacto e é uma questão de incoerência entre o que é defendido pelo partido e o que eventualmente é praticado. A ideia que passa para fora não é positivo e principalmente quando é a figura mais conhecida do partido e cabeça de lista. Positivo não é certamente, se terá um grande impacto não sei.
E acha que há aqui este risco do PAN se poder vir a tornar Os Verdes do PS, com este apoio a António Costa?
Acho que é possível e que já têm vindo a fazer um bocadinho esse papel, embora exista uma tentativa de parecer um bocadinho mais reivindicativo, mas esse papel já está a ser feito de alguma forma
O que é que acha que é um bom resultado para o país no próximo dia 30 de janeiro. A vitória de António Costa ou de Rui Rio?
A vitória é a estabilidade. O que precisamos neste momento é de um governo que tenha estabilidade para trabalhar. O ideal é não existir uma maioria absoluta e que se consigam fazer acordos que permitam governar. Se será melhor à esquerda ou à direita não sei. Ainda estamos no inicio, temos que ver a campanha, o que os partidos apresentam e vamos ver. O que realmente importa é não entrarmos num ciclo de novas dissoluções e eleições, isso é que seria dramático.
Nestes últimos dois anos conversou também com o governo de António Costa. Teria a mesma disponibilidade para o fazer com um governo liderado por Rui Rio?
Sim. Os contactos cingiram-se sempre ao Orçamento do Estado e no primeiro ano até fui eu que contactei o executivo com um conjunto de propostas e faria o mesmo com qualquer outro, ou seja, o importante é conseguirmos apresentar as nossas prioridades e tentar construir pontes e fazer acordos.
“Não posso deixar de ter um olhar um pouco critico” sobre o chumbo do PCP e do BE
A posição do PCP e do Bloco de Esquerda, de chumbar o orçamento, é criticável ou entende a posição destes partidos?
Pode ter existido falta de comunicação entre os partidos e que acabou como sabemos. Não faz particularmente sentido rejeitar este orçamento e agora dizer que os mesmos partidos e os mesmos intervenientes estão novamente disponíveis para acordos. Então porque é que não foi possível chegar a um acordo nesta fase, principalmente numa fase inicial do Orçamento do Estado — na generalidade –, sem se ter dado oportunidade para ir à especialidade. Essa discussão teria sido importante, perceber que alterações podiam ter sido feitas antes da rejeição. Não posso deixar de ter um olhar um pouco critico, mas percebo que cada partido faz o que acha melhor para o país.
Sentiu-se sempre ouvida e respeitada enquanto deputada não inscrita ou foi um espaço que foi conquistando ao longo dos tempos?
Vai-se sempre conquistando de alguma forma. Há sempre uma certa curiosidade para perceber o posicionamento das pessoas e também porque já existiram outros deputados não inscritos com uma postura menos interventiva e existe essa perspetiva de que os não inscritos não vão intervir tanto, não vão apresentar tantas iniciativas ou reivindicar tempos e eu fiz tudo isso e penso que isso fez com que as pessoas tivessem uma perceção diferente não só da Cristina Rodrigues mas também do papel dos deputados não-inscritos.
No segmento final, a que chamamos Defesa da Honra, terminava com o assunto da queixa em que o PAN a envolveu. Está de alguma forma relacionada com o desaparecimento desses emails?
Primeiro é preciso saber se os emails desapareceram efetivamente. Para isso acontecer temos que aguardar pelo inquérito que está a decorrer e para o qual ainda não fui chamada, não prestei quaisquer declarações. Mas em defesa da honra, nego tudo.
Mas lidava com esses emails.
Eu era coordenadora daquela secretaria [a de ação jurídica] e tinha que lidar com esses emails, mas como ainda não tive acesso ao processo, que está em segredo de justiça, não lhe consigo adiantar muito mais. O que sei foi o que vi nas noticias.