O percurso do banqueiro que o El País chegou a apelidar, em 2017, como “samurai da City” — numa alusão ao centro financeiro de Londres, onde trabalhava — não tem sido isento de polémicas que acompanharam o percurso do gestor português, um dos mais reconhecidos a nível internacional . Além da mais recente, Horta-Osório foi notícia em 2016 pelo caso extraconjugal que veio a público pela mão do tabloide The Sun. E em 2019, quando enfrentou críticas de funcionários e colegas por usufruir de uma regra de cálculo da pensão mais benéfica face os restantes trabalhadores (acabaria por desistir dela).

Do outro lado da balança, Horta-Osório foi responsável pelo regresso aos lucros do Lloyds Bank depois da crise do subprime que conduziu à nacionalização do banco inglês em 2008, e na sequência de um burnout (esgotamento), que o levou a mudar o “estilo de gestão”, tem advogado publicamente a importância da saúde mental no local de trabalho.

Regras de confinamento quebradas… duas vezes

Nove meses depois de ter chegado ao cargo, António Horta-Osório, 57 anos, anunciou a demissão da presidência não executiva do Credit Suisse. A decisão surge depois ter quebrado, por duas vezes, as regras da pandemia em vigor. A primeira aconteceu em julho, altura em que viajou da Suíça, onde reside, para o Reino Unido, para assistir aos jogos finais do torneio de Wimbledon. Na altura, o Reino Unido obrigava a que os passageiros oriundos da Suíça cumprissem uma quarentena de 10 dias quando chegassem ao país — o que o banqueiro não terá feito.

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A quebra das regras de confinamento voltou a acontecer a 28 de novembro, quando regressou à Suíça do Reino Unido e partiu depois para a Península Ibérica sem cumprir na totalidade a quarentena obrigatória de 10 dias imposta.

Segundo o Financial Times, que cita o jornal suíço Blick, Horta-Osório ainda tentou, inicialmente, obter uma isenção junto do governo e do poder local para não ter de cumprir quarentena, mas ficou definido que não teria nenhum tratamento especial. O Financial Times salienta ainda que o português tinha prometido restaurar a reputação do banco suíço, após vários escândalos nos mais altos gabinetes.

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Osório pediu desculpas na altura da demissão. Em comunicado, escreveu: “Lamento que algumas das minhas ações pessoais tenham levado a dificuldades para o banco e comprometido a minha capacidade de representar o banco interna e externamente”.

Jato do banco usado em férias nas Maldivas?

A investigação interna, finalizada na última semana, que levou à recente demissão de Horta-Osório revelou um outro “incidente”, segundo o Financial Times. Escreve o jornal que Horta-Osório terá usado o jato particular do banco numas férias pessoais às Maldivas, depois de uma viagem de negócios na Ásia, de acordo com uma fonte ligada ao caso.

O jornal salienta que, desde que chegou ao cargo no Credit Suisse, Horta-Osório tem falado publicamente sobre a importância do “compromisso com o desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade e responsabilização pessoal” no banco.

O caso extra conjugal que o levou a pedir desculpa

A polémica estalou em 2016, depois de o tablóide britânico The Sun ter noticiado que Horta-Osório, na altura presidente executivo do Lloyds Bank, aproveitou uma viagem de negócios a Singapura para se encontrar com Wendy Piat, que ficou conhecida como conselheira do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, e com quem manteria uma relação extraconjugal.

O The Sun publicava mesmo imagens de um passeio dos dois em Singapura e falava em jantares em “restaurantes de top”, estadia em luxuosos hotéis, com um custo superior a 400 euros por noite, e gastos a ultrapassar os 4.000 euros, que incluíam serviço de quarto e visitas ao spa.

A polémica incidia também sobre se Horta-Osório, na altura casado há 25 anos e com três filhos, teria usado dinheiro do banco em gastos pessoais, uma questão particularmente relevante dado que o Lloyds tinha recebido um resgate público de mais de 20 milhões de libras em 2008.

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O banqueiro tinha estado numa conferência internacional e encontrou-se com Wendy Piat, que estaria na região para fortalecer laços com universidades estrangeiras (era, na altura, diretora do The Russell Group, uma associação com as maiores universidades de investigação do Reino Unido).

Depois de uma investigação interna para apurar se os gastos pessoais foram feitos com dinheiro do banco, o Lloyds Bank concluiu que não houve irregularidades. E defendeu que “a vida pessoal é obviamente uma questão privada”.

Horta-Osório viria a pedir desculpas, num comunicado enviado a 75 mil funcionários do banco. “A minha vida pessoal é obviamente uma questão privada, como é para todos. Mas estou profundamente arrependido pela publicidade negativa que o caso gerou e pelos estragos feitos à reputação do banco”, escreveu, na altura. O banqueiro acrescentava que tinha sido um “forte defensor” dos “mais elevados padrões profissionais”. “Isso significa elevar o nível com o qual somos julgados e, como sempre disse, reconhecer os erros cometidos.”

A polémica veio ao de cima num período difícil para o banco, depois de ter anunciado que o Lloyds iria cortar 3 mil postos de trabalho e fechar 200 agências para atingir a “eficiência operacional”. Horta-Osório viria a deixar o banco em 2021, por acreditar que não se deveria eternizar no cargo, “após uma década de enorme importância para o maior banco de Inglaterra e altamente desafiante para o gestor”.

O português chegou ao banco nacionalizado em 2011 depois de uma carreira de sucesso no maior grupo bancário espanhol, o Santander. Horta-Osório acompanhou o processo de privatização e cumpriu a promessa feita de devolver o dinheiro dos contribuintes usado na injeção à instituição. Em 2015, o banco chegou aos lucros. Foi condecorado pela rainha de Inglaterra pelos serviços prestados ao país (é “Sir Horta-Osório”).

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A pensão com regras mais benéficas do que para os restantes funcionários

Apesar da distinção, em 2019, António Horta-Osório volta a ver-se envolvido em outra polémica quando foi foi alvo críticas de funcionários e colegas sobre uma regra que lhe atribuía uma regra de cálculo da pensão mais benéfica face aos restantes trabalhadores. Com a medida, o banqueiro seria o único funcionário do banco a ter direito a receber uma pensão, quando saísse da empresa, que teria como base o último salário (mais alto). Esta exceção contrariava decisões tomadas na altura e alinhavam os benefícios dos cargos mais altos com os dos restantes funcionários. E perante a pressão, Horta-Osório desistiu do benefício.

A associação que representava grande parte dos trabalhadores do Lloyds Bank criticou publicamente a atribuição de pensões por considerar que promoviam uma divisão interna, e eram contra os interesses dos acionistas.

Meses depois, em novembro, foi notícia que o Lloyds acabaria por cortar o plano complementar de pensões de Horta-Osório, o que significaria uma redução anual de 220 mil libras (mais de 260 mil euros) no rendimento a que teria direito.

Tal como outros pares, o banqueiro tem sido notícia pelos prémios milionários que tem recebido. Por exemplo, em 2015, recebeu um bónus de 11,5 milhões de libras (mais de 13 milhões de euros), referente a 2012, 2013 e 2014, por ter atingido vários objetivos, como a subida de ações, que naquele período quase triplicaram de valor. Também nesse ano, pela primeira vez desde 2008, o banco voltou a distribuir dividendos.

Além das polémicas: a defesa da saúde mental

Em 2011, um burnout obrigou-o a parar várias semanas e a tirar uma licença temporária como presidente executivo do Lloyds Bank, pela fadiga extrema causada pelo excesso de trabalho. No meio, questionava-se se voltaria à liderança do banco, o que acabou por acontecer. Desde então, tem falado publicamente sobre a importância da preservação da saúde mental no trabalho.

Numa entrevista ao Financial Times, cerca de um mês depois de ter entrado de baixa, confessou que antes do episódio de burnout se sentia como “uma bateria prestes a esgotar-se”. Na altura, garantia uma mudança no estilo de vida. “[O estilo de gestão] Vai tornar-se menos [focado na] gestão do dia a dia e terá mais a ver com liderança”, frisou.

Um gestor internacional

Horta-Osório faz parte do grupo de gestores portugueses em lugares de destaque em instituições no estrangeiro, como António Simões, que de presidente do HSBC passou no ano passado a liderar o negócio europeu do Santander, e Carlos Tavares, presidente da Stellantis.

Antes de chegar ao Lloyds, o banqueiro teve uma longa carreira no grupo Santander. Nos anos de 1990 assumiu a presidência do Santander Negócios que cresceu com a compra dos bancos Totta e Açores e Crédito Predial Português. Horta-Osório foi presidente do então Santander Totta até 2006, tendo depois desenvolvido a sua carreira no grupo espanhol que o levou até ao Reino Unido. O banqueiro foi ainda administrador não executivo do Banco de Inglaterra. Em Portugal está no conselho de administração da Fundação Champalimaud e é chairman da farmacêutica portuguesa Bial.