No primeiro ano da pandemia de Covid-19 houve menos doentes encaminhados para o IPO do Porto, que chegaram “numa parte mais avançada” do cancro, um fator que contribuiu para o aumento da mortalidade em 2020.

A pandemia de Covid-19 influenciou o tratamento de outras patologias, como o cancro, mas o presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, Rui Henrique, deixa claro que é preciso “distinguir o primeiro ano do segundo ano”.

Em 2020, houve “uma redução da referenciação de doentes para a instituição na ordem dos 17%”, enquanto em 2021 verificou-se “um incremento do número de novos doentes em 19%, face a 2020”.

“Durante aqueles meses iniciais da pandemia, houve uma redução significativa da referenciação de alguns cancros, como o da próstata e do colo do útero. Houve uma redução muito menos significativa de cancros mais graves, como os cancros do pâncreas, do pulmão ou as leucemias, nas quais aquilo que se verificou foi pelo menos um aparente diagnóstico numa parte muito mais avançada da doença, o que, à partida, traduzirá um atraso naquilo que foi a sua identificação e diagnóstico”, explica o responsável em declarações à Lusa.

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Os dados avançados foram revelados por um estudo feito pelo IPO com o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) em relação ao impacto da pandemia, que se reporta aos doentes referenciados para o IPO-Porto entre 2 de março e 1 de julho de 2020, em comparação com o período homólogo do ano anterior.

Rui Henrique realça ainda que “esses factos parecem ter-se traduzido numa redução global da sobrevivência nesse período, mas este dado está um pouco afetado pelo facto de contribuírem para o seu cálculo essencialmente tumores mais graves e mais agressivos e haver uma menor quota parte de tumores menos agressivos, que, habitualmente, estão associados a uma maior sobrevivência”.

Por outro lado, destaca, “cancros menos graves detetados mais tarde podem vir a traduzir-se numa taxa de mortalidade maior“.

“Vamos ter de aguardar mais tempo para perceber qual foi esse impacto em termos da sobrevivência – vamos ter de esperar, se calhar, três, quatro, ou até seis anos até termos uma perceção”.

No que toca ao tratamento dos doentes identificados, só na primeira fase da pandemia é que se verificou um “impacto sobretudo ao nível do tratamento cirúrgico, com o bloco operatório sob muita pressão, devido aos casos [de Covid-19] que houve entre os profissionais dessa área”, mas o problema foi ultrapassado em poucos meses.

As restantes terapêuticas não foram particularmente afetadas, salvo algumas necessidades de reagendamentos, mas o presidente do IPO mantém a “expectativa de, à medida que se for ultrapassando a pandemia, retomar o mais rapidamente possível as rotinas de trabalho e de contacto com os doentes”.

Essas alterações passam pelas “medidas muito restritivas para visitas e acompanhantes” e a necessidade de “testar sistematicamente doentes que tenham de fazer quimioterapia, radioterapia ou cirurgia, que têm de esperar pelo resultado para saber se vão ou não ser tratados”.

Há também um “impacto económico” transversal a todas as unidades de saúde com um custo que está “a ser aplicado na contenção da pandemia, mas que depois não está a ser aplicado em medidas mais de fundo, para melhorar a capacidade de prestação de cuidados”, lembra Rui Henrique.

Investimentos em “instalações, recursos humanos ou equipamentos, que obviamente teriam um efeito mais duradouro e permanente ao nível dos cuidados” estão a ser secundarizados.

“É muito importante que possamos, rapidamente, debelar este problema e possamos passar em frente para começarmos novamente a retomar a nossa atividade normal”, remata.