Politólogos notaram esta sexta-feira que o número de partidos com assento parlamentar nunca foi tão reduzido desde 2005, e assinalaram que, caso as sondagens tenham tido um impacto no voto útil à esquerda, tal não foi o caso à direita.
Falando numa conferência intitulada “As legislativas de 2022 em discussão”, organizada pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da universidade de Lisboa, o politólogo António Costa Pinto frisou que o “eleitorado foi surpreendido” pela convocação de eleições legislativas e pode não ter decidido o seu voto como costuma decidir em eleições legislativas previamente agendadas.
Emitindo hipóteses e frisando que é necessário esperar por estudos pós-eleitorais para se perceber o comportamento dos eleitores, António Costa Pinto salientou que poderá ter havido um “voto útil estratégico no PS perante, simultaneamente, a rejeição das atitudes da elite do Bloco de Esquerda e da CDU na questão dos acordos, e depois da ameaça da direita perante a eventual vitória do PSD”, que as sondagens indicavam que era possível.
António Costa Pinto referiu, no entanto, que, caso as sondagens possam ter mobilizado o eleitorado de esquerda, não foi visivelmente o que aconteceu à direita, salientando que tudo o que os politólogos intuíam “com base no passado sobre as atitudes do eleitorado de direita perante a possibilidade de vitória, ou proximidade do poder, do PSD, não funcionou”.
“O impacto possível, mesmo que diminuto, da perspetiva de vitória, da proximidade do poder, à direita, aparentemente não teve um impacto muito significativo num eventual aumento de voto no PSD”, frisou.
Pedro Magalhães, investigador do ICS e responsável pelo centro de sondagens do ISCTE, considerou que um dos erros do líder do PSD, Rui Rio, nesta campanha foi o facto de, na reta final, ter admitido uma ‘geringonça’ de direita, relembrando que a geringonça entre o PS, BE, PCP e PEV foi “adorada” pelos portugueses, numa “apreciação que chegava até a apanhar franjas da direita”.
“A ‘geringonça’ de direita não era o passado. Também houve muita desconfiança sobre a ‘geringonça’ de esquerda quando começou, que foi vencida. A ‘geringonça’ de direita era o futuro, era o futuro completamente indeterminado que podia incluir o apoio do Chega, coisa que para muita gente de centro-esquerda é anátema. Portanto, (…) essa chamada de atenção para esses cenários (…) foi uma linha de argumentação completamente incompreensível”, frisou.
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O investigador chamou ainda a atenção para o facto de o partido de direita radical da Holanda, Partido pela Liberdade, captar “um eleitorado que antes se abstinha” e que, desde que começou a votar, “está completamente inacessível a qualquer outro partido”.
Segundo Magalhães, caso uma “parte importante” do eleitorado do Chega também seja composto por eleitores que previamente se abstinham, trata-se de “um fenómeno que pode não ser potencialmente esvaziado por uma futura liderança do PSD”.
A investigadora do ICS Marina Costa Lobo indicou que as eleições de domingo demonstraram “um declínio no número efetivo de partidos parlamentares relativamente a 2019, mesmo em relação a 2015”, sendo que seria necessário “recuar a 2005 para estar num parlamento com tão pouca fragmentação como o de 2022″.
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Salientando que essa diminuição do número de partidos parlamentares tem a ver com o facto de, juntos, PS e PSD terem alcançado 71% dos votos nestas eleições, a investigadora procurou explicar porque é que, ao contrário de países como a Grécia, Espanha ou Irlanda — que também pediram resgates financeiros na sequência da crise financeira de 2008, e cujos sistemas partidários implodiram ou se fragmentaram mais — os dois principais partidos continuam a ter um papel preponderante em Portugal.
Em termos estruturais, Costa Lobo frisou que “há uma correlação entre a abstenção e o voto” no PS e PSD, designadamente porque “a falta de fragmentação em Portugal está relacionada com a escolha pela abstenção eleitoral”, preferindo as pessoas abster-se do que “ir votar num partido mais pequeno”.
Além disso, a investigadora referiu também que o sistema eleitoral, apesar de ser proporcional, adota “a mais desproporcional das formas proporcionais” porque, nos círculos de menor dimensão — como é o caso de Portalegre, que só elege dois deputados –, “condiciona e favorece os dois grandes partidos”, porque não permite a eleição de mais ninguém.
Intervindo no final, a investigadora e presidente da Transparência e Integridade, Susana Coroado, interrogou-se sobre “o que significa uma maioria absoluta”, salientando que “só em democracias não liberais é que uma maioria absoluta é um poder absoluto, porque o sistema tem vários checks and balances [pesos e contrapesos] que podem equilibrar” a preponderância do partido no Governo.
No entanto, Coroado frisou que, ao longo dos últimos anos, houve “um degradar das instituições dos ‘checks and balances'”, elencando casos como o do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou do Tribunal Constitucional, e apelando a que se tire uma lição da necessidade de fortalecer essas instituições para cenários políticos como o atual.