A defesa do jovem de 18 anos que está indiciado de terrorismo, por um alegado plano de ataque à faculdade onde frequentava o curso de Engenharia Informática, tem todas as hipóteses de defesa em aberto e uma delas poderá passar por pedir uma avaliação psiquiátrica para perceber se ele pode ser responsabilizado criminalmente.

Em declarações ao Observador, o advogado Jorge Pracana mantém o que disse à porta do tribunal onde o seu cliente soube que iria passar pelo menos os próximos três meses em prisão preventiva, altura em que poderá ser reavaliada a medida de coação decretada enquanto decorre a investigação. Nessa sexta-feira, o advogado considerou que este caso iria fazer história, mas pela indiciação de terrorismo. “É o primeiro, espero que seja o último. Estamos todos a inovar e a analisar isto. Será terrorismo? Não sei, há que apreciar”, disse. Agora, em resposta ao Observador, sem avançar qualquer estratégia de defesa, afirmou que todas as hipóteses “estão em aberto”.

O estudante do curso de Engenharia Informática da Faculdade de Ciências está neste momento preso preventivamente na ala psiquiátrica do hospital prisão de Caxias, vindo do Estabelecimento Prisional de Lisboa — onde foi primeiramente colocado. Está a cumprir um período de dez dias de isolamento por causa da Covid-19, mas já pode receber o seu advogado. “Mas eu ainda não consegui ir vê-lo”, explicou.

Só depois de falar com o seu cliente, que recusou prestar declarações no primeiro interrogatório judicial, é que o advogado vai delinear a sua estratégia de defesa. E essa poderá passar por pedir uma perícia à personalidade do rapaz para perceber se pode ser responsabilizado criminalmente pelo alegado crime de que está indiciado — depois de detido com um plano que a PJ considera ser o de um ataque à faculdade que frequentava, por ter na sua posse material explosivo, vários punhais e uma besta comprada dias antes. Material este que, na perspetiva do Ministério Público, corrobora a mensagem que deixou numa rede social e que motivou um alerta dos Estados Unidos, através do FBI.

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“Todos os dados pesam na avaliação” psiquiátrica, explica especialista

O presidente da subespecialidade de Psiquiatria Forense da Ordem dos Médicos, Fernando Santos Almeida, explicou ao Observador que estas perícias podem ser pedidas pelos advogados ou pelo Ministério Público, mas têm que ser sempre validadas por um juiz que também pode por sua iniciativa solicitá-las.

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Segundo a lei, uma perícia à personalidade avalia não só a personalidade, mas também a perigosidade do arguido independentemente de causa patológica. Diferente da lei inglesa, em Portugal são avaliados não só os aspetos cognitivos, mas também a vontade da pessoa sujeita à perícia, para se concluir se é ou não inimputável. Há ainda a possibilidade de ser declarada uma imputabilidade diminuída.

A avaliação é feita estudando e aprofundando os dados do processo. É feito um exame psiquiátrico da pessoa que está perante nós, pelo que é relevante toda a sua historia biográfica assim como outros elementos: informação dos pais, documentos clínicos, histórico de acompanhamento psiquiátrico. Todos os dados pesam na avaliação”, exemplifica.

Depois de toda esta avaliação, porém, o perito deve concluir se essa perturbação contribuiu ou não para o crime. “É importante perceber, na eventualidade de algum indivíduo padecer de uma perturbação psiquiátrica, se essa perturbação contribuiu para isso ou não. Se há um nexo de causalidade entre o crime e o seu cometimento, tal como se isso contribuiu para a avaliação de ilicitude”, explica o psiquiatra forense Fernando Almeida. E casos há em que é possível perceber logo isso, mas outros nem tanto. “Há outras situações em que é mais difícil [fazer uma avaliação] e devemos explicitar as nossas dúvidas ao tribunal, de que não estamos assim tão seguros”, diz. Normalmente, os peritos são depois chamados ao juiz para explicar estas conclusões.

PJ quer recuperar passos até à compra das armas

Para Jorge Pracana, a avançar com um pedido destes, porém, ainda é prematuro. Primeiro, é preciso conhecer melhor o seu cliente e depois a investigação também ainda não terminou. Neste momento, o autor do plano de ataque à Faculdade de Ciências de Lisboa é arguido por suspeitas de um crime de terrorismo, mas a Polícia Judiciária ainda terá que reunir diversa informação no caso, como testemunhos de amigos e conhecidos do rapaz em Lisboa e na sua terra natal, na Batalha. Há testemunhas que dizem que foi vítima de bullying e também essa informação terá que ser verificada.

Há ainda o rasto informático que deixou na internet e que será seguido para perceber quando e como comprou as armas que a Polícia lhe apreendeu no quarto arrendado onde vivia — armas aparentemente compradas online. Por outro lado, é também preciso demonstrar que este estudante consumia demasiados vídeos e imagens violentas, sobretudo de tiroteios em massa, que o levaram a replicar o caso.

Para já, no despacho de indiciação, refere-se como este jovem anunciou numa rede social que pretendia atacar a sua faculdade por causa de um plágio, como ele escreveu um plano de preparação e num outro para o dia do ataque por horas. A mãe do rapaz, quando recebeu a PJ em casa, numa aldeia na Batalha, fez questão de dizer que o filho tinha um diagnóstico de Asperger. Foi, depois, questionada sobre se essa condição impedia o filho de distinguir uma conduta lícita de uma ilícita — e ela respondeu que não.

Esta será uma das informações a ser avaliada numa possível perícia psiquiátrica, caso ela venha a realizar-se, assim como todo o registo clínico desde criança. O médico psiquiatra Fernando Almeida diz mesmo que até uma simples intoxicação alimentar tratada num hospital poderá entrar na avaliação. Neste caso, também o facto de ter feito terapia da fala, informação que até consta do material informático que lhe foi apreendido, terá peso — no caso de haver uma perícia psiquiátrica, como prevê o código do processo penal.

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Num comunicado enviado à redações, a Federação Portuguesa de Autismo lembra que a síndrome de Asperger é uma forma de autismo — que, nas classificações, mais recentes deixou de ser considerada como uma entidade independente, “tratando-se antes de uma situação de autismo sem alteração do desenvolvimento intelectual e com linguagem normal ou apenas ligeiramente afetada”, lê-se no comunicado assinado pelo presidente Fernando Campilho. O autismo é uma condição em que há uma alteração do neurodesenvolvimento, criando pessoas “neurodiversas”, uma condição que se mantém do nascimento até à morte, explica o responsável.

A investigação prossegue agora e culminará num despacho de acusação ou de arquivamento que não tem que ser necessariamente por terrorismo. O Ministério Público ainda pode decidir-se por outro crime, de acordo com as provas recolhidas. Caso seja considerado inimputável, e a ser-lhe mais tarde aplicada uma pena, ela será convertida num período de internamento num hospital psiquiátrico.