O Tribunal Constitucional mandou repetir os atos eleitorais nas assembleias do círculo da Europa onde se tenham verificado irregularidades no processo eleitoral, uma decisão que surge após os recursos à anulação dos votos de cerca de 157 mil votos de emigrantes portugueses apresentados por quatro partidos — Chega, PAN, Livre e Volt Portugal.

O anúncio foi feito pelo presidente do Constitucional, João Caupers, e pelo juiz relator Gonçalo Almeida Ribeiro. O tribunal decidiu “revogar a deliberação da assembleia de apuramento geral do círculo da Europa na parte em que declara a nulidade de todos os votos nas assembleias em que se deu a confusão” e “declarar a nulidade da eleição nas assembleias de voto do circulo da Europa referidas acima”.

A decisão do Tribunal Constitucional vai adiar para março a tomada de posse do novo Governo. Inicialmente marcada para 23 de setembro, a nova data deve ser 10 de março, avança fonte oficial da Presidência.

Repetição da votação de emigrantes atrasa tomada de posse do novo Governo

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Em causa está o facto de a maioria das mesas ter validado votos que não estavam acompanhados por fotocópias dos cartões de cidadão dos eleitores no estrangeiro, o que tornaria os boletins de voto nulos — um alerta dado originalmente pelo PSD. Esses votos foram depositados juntamente com outros votos considerados válidos, o que tornaria nulos os resultados apurados nas mesas em que essa mistura aconteceu.

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O Ministério da Administração Interna (MAI) já tinha considerado “deplorável” a anulação de mais de 80% dos votos no círculo da Europa, que recolheu um total de 195.701 votos, e salientou que não participou na reunião de delegados de candidatura que originou este caso.

Sobre a polémica em torno da anulação dos votos, o Governo referiu que a Administração Eleitoral da Secretaria-Geral do Ministério “produziu e difundiu vários documentos em diferentes formatos (…) onde se explicitam os procedimentos a adotar e identificam os documentos a juntar pelo eleitor, designadamente a cópia do documento de identificação”.

O ministério também critica a deliberação da Comissão Nacional de Eleições porque “não releva para o exercício do direito de voto a identificação através de documento apropriado, uma vez que ela é, em primeira mão, assegurada pela receção da correspondência eleitoral sob registo pelo destinatário ou pessoa próxima”: “A remessa pelo eleitor de cópia de documento de identificação serve, afinal e apenas, como reforço das, de si fracas, garantias do exercício pessoal do voto”.

“Acordo informal” entre partidos sobre votos é “grosseiramente ilegal”

O Tribunal Constitucional advertiu ainda que qualquer “acordo informal” entre os partidos políticos no sentido de aceitar os boletins de voto que não sejam acompanhados por fotocópia do documento de identificação do eleitor é “grosseiramente ilegal”.

No acórdão, que deliberou sobre o recurso do Volt Portugal, o Tribunal Constitucional refere-se à reunião ocorrida no dia 18 de janeiro entre os delegados das listas de candidatura para a escolha dos membros das mesas das assembleias de recolha e contagem de votos dos eleitores residentes no estrangeiro.

Nessa reunião, os partidos acordaram aceitar “como válidos todos os boletins cujos envelopes permitam a identificação clara do eleitor e descarga nos cadernos eleitores desmaterializados, mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão de cidadão ou bilhete de identidade”, alegando que essa cópia “serve, afinal e apenas, como reforço das garantias do exercício pessoal do voto”.

No acórdão que deliberou declarar a nulidade das eleições na maioria das mesas do círculo da Europa, que terão de ser repetidas, os juízes do Palácio Ratton avisam que a lei eleitoral da Assembleia da República “não atribui aos partidos políticos concorrentes à eleição, designadamente por via dos seus mandatários ou delegados, a faculdade de deliberar sobre os requisitos de validade dos votos”.

E apontam que “toda essa matéria — como não podia deixar de ser — está sob reserva de lei, devendo as decisões concretas sobre a validade de votos ser tomadas pelos órgãos eleitorais competentes, segundo o procedimento expressamente regulado e mediante a aplicação dos critérios legais”.

“Assim, qualquer deliberação – ou, melhor dizendo, acordo informal – que tenha sido tomada pelos partidos políticos no sentido de se dispensar a junção da fotocópia do documento de identificação ao boletim de voto é grosseiramente ilegal — ultra vires –, não produzindo os efeitos jurídicos conformes ao respetivo conteúdo”, advertem.

No acórdão divulgado esta terça-feira, os juízes conselheiros consideram que “seria manifestamente ilegal” considerar válidos todos os votos, mesmo aqueles que não chegaram acompanhados de fotocópia do documento de identificação do eleitor, argumentando que a lei “não deixa margem para dúvidas” e que um voto postal que não cumpra os requisitos previstos “é irremediavelmente inválido”.

O tribunal refuta também o argumento de que reproduzir um documento de identificação pessoal possa constituir uma forma de “coação do eleitor”, argumentando que o exercício do direito de voto “constitui um dos casos expressamente previstos na lei” para que isso possa acontecer.

Apontando que “foram considerados validamente expressos 36.191” votos e nulos 157.205, o tribunal defende que “quando o número total de votos anulados sobreleva o número total de votos considerados validamente expressos em cerca do quádruplo, é mais do que plausível conceber cenários em que o número de votos válidos, mas que acabaram anulados e desconsiderados em razão da sua confusão com votos inválidos, pudesse constituir uma grande parte dos votos considerados validamente expressos”.

E alerta que “não é possível concluir que a decisão de declaração de nulidade foi neutra do ponto de vista da distribuição de mandatos, uma vez que está longe de ser certo ou necessário que o padrão de distribuição dos mesmos fosse substancialmente idêntico ao que se veio a verificar no apuramento geral”.