A situação de seca meteorológica agravou-se em fevereiro e, apesar de alguma recuperação no nível das barragens onde foi suspensa a produção de eletricidade, não é suficiente para permitir retomar a exploração hidroelétrica nos próximos meses. Com as atuais previsões meteorológicas, não se espera que as cinco barragens da EDP recuperem o nível histórico médio até ao final do ano hidrológico (setembro). E neste cenário, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) deverá manter a restrição à geração de eletricidade anunciada no início de fevereiro, de acordo com informação recolhida pelo Observador.

Fonte oficial da APA refere ao Observador que “atendendo à baixa reposição dos volumes armazenados nas albufeiras devido aos valores de precipitação, significativamente abaixo da média, observados e para garantia dos volumes necessários para os usos prioritários foi condicionada a produção de energia em cinco barragens.” Mas questionada sobre se esse condicionamento se deve prolongar, a APA diz apenas que “com o evoluir da situação, será aferida a necessidade (ou não) de manter ou ampliar as medidas”.

Os contratos de concessão do domínio hídrico das barragens estabelecem intervalos para níveis mínimos de exploração que cada barragem deve respeitar para acautelar os vários usos da água, com prioridade para o consumo humano. E conferem à APA a autoridade para definir em casos de seca essas cotas mínimas e impor a suspensão da produção elétrica sem ter de indemnizar o produtor. Isso foi feito no início de fevereiro nas barragens do Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Tabuaço, Vilar e Castelo de Bode, numa altura em que algumas destas albufeiras, em particular no vale do Lima, apresentavam já níveis historicamente baixos. É o resultado do início de um ano hidrológico muito abaixo do valor médio verificado entre 1971 e 2000, sobretudo por causa da falta de chuva em janeiro e fevereiro. Este quadro tem sido agravado por temperatura acima da média para a época do ano.

A APA têm garantido, tal como o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que a ordem para parar de produzir energia elétrica foi dada quando tinha que ser dada e na sequência de uma monitorização contínua que envolveu contactos regulares com a EDP nas semanas que antecederam o anúncio feito no início de fevereiro. A decisão foi tomada quando estava em causa assegurar uma cota mínima para o abastecimento do consumo humano durante dois anos, salvaguardando no entanto caudais ecológicos que permitam a sobrevivência dos ecossistemas. Desde então, o Alto Lindoso, uma barragem que praticamente não tem utilização humana ou para rega (mas que abastece Touvedo que tem estes usos) recuperou 3,19 metros, estando 15,9% da capacidade, de acordo com dados da APA, e cinco metros acima da cota mínima estabelecida.

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Mas tal não deverá ser suficiente para enquadrar a curto prazo (nos próximos meses) a retoma da exploração hidroelétrica. E o Alto Lindoso é uma das barragens mais produtivas da EDP e de Portugal. Há mesmo quem lhe chame o Ferrari das barragens porque devido ao grande poder de encaixe e profundidades a que estão as bombas permite uma resposta rápida a necessidades de produção.

O Alto Lindoso está autorizado a produzir uma hora por dia quando tem de enviar água para o Touvedo, barragem que tem captação de água para uso humano. O regime jurídico do setor elétrico permite que a REN possa reativar a produção em caso de risco de segurança de abastecimento.

Apesar da grande importância hidroelétrica do Alto Lindoso, a barragem que está a suscitar uma maior preocupação e acompanhamento é a de Castelo de Bode, isto porque é aquela que tem um maior grau de utilização para consumo humano, abastecendo a região da Grande Lisboa. Esse maior uso explica em grande medida porque é que o nível de Castelo de Bode recuperou menos do que outras hídricas onde a geração elétrica foi suspensa. Por outro lado, e para assegurar o ciclo de algumas espécies como as lampreias e asa enguias, a APA permitiu algum caudal ecológico até meados de fevereiro, e que foi entretanto reduzido de 16 metros cúbicos para um valor mais baixo por se tratar de um ano hidrológico muito seco. No entanto, Castelo de Bode também é das barragens que foram alvo de intervenção aquela que apresenta um maior nível de armazenamento de 59%.

As outras barragens registaram alguma recuperação (menos do o que Alto Lindoso), mas se a situação de excecional falta de chuva se prolongar, bem como a seca hidrológica, o nível de armazenamento não vai permitir retomar a produção este ano hidrológico que termina em setembro.

Seca. Poupança da água passará por restrições na rega e lavagens

As medidas de contingência para responder a uma situação de seca que o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) já declarou pior do que a de 2005 podem afetar a curto prazo a produção em outras barragens. O Governo vai anunciar novas medidas em meados de março depois de uma série de reuniões a nível regional com autoridades nacionais e locais e os vários utilizadores de água e que começaram esta quarta-feira no Algarve, seguindo para o Alentejo. Matos Fernandes já avisou entretanto que as restrições no uso da água vão envolver a rega e lavagens.

A agricultura, que consome cerca de 70% da água em Portugal, é o setor mais afetado. No Algarve, já foi suspensa a rega partir da barragem da Bravura e medidas adicionais podem ser anunciadas. No Alentejo, algumas barragens estão a ser abastecidas pelo Alqueva cujo nível de armazenamento está próximo dos 79%.

Importações de eletricidade de Espanha têm atingido máximos

A restrição à produção hidroelétrica por causa da seca e ainda no inverno faz antever m verão sem energia (ou muito pouca) das barragens, que são, a par das eólicas, a principal potência instalada de energia renovável. E coincide com uma crise internacional que está a inflamar ainda mais o gás natural e a lançar mais incerteza sobre o aprovisionamento. Com a produção hídrica em queda— com exceção da bombagem —  e o carvão desligado desde o ano passado, o sistema elétrico português conta com as centrais a ciclo combinado para equilibrar a oferta e responder a picos de consumo. Mas o elevado custo de produção a partir do gás natural tem afastado as elétricas desta tecnologia, fazendo com que Portugal recorra a níveis recorde de importações de Espanha para responder ao consumo.

O presidente executivo da EDP, Miguel Stilwell de Andrade, afirmou na semana passada que a empresa só liga as centrais a gás se elas forem competitivas, mas é provável que nos próximos meses e, em particular no verão, Portugal seja mesmo forçado a recorrer a mais gás natural. O Governo já reforçou as reservas de segurança de gás para a produção de eletricidade, antecipando o agravamento da crise na Ucrânia. Mas mesmo que o abastecimento de gás não esteja em causa para já— Portugal não é grande cliente do gás russo — eventuais restrições no acesso ao gás russo (que podem até resultar de sanções) deverão fazer subir ainda mais o preço deste combustível que segue de perto o petróleo que chegou perto dos 100 dólares.

O efeito combinado da seca e do gás muito caro tem resultado no aumento muito significativo das importações de Espanha que em fevereiro representam até agora cerca de um terço do consumo registado em Portugal, mas cujo peso em alguns dias e algumas horas chegou aos 50%. A interligação a Espanha registou mesmo na semana passada o maior volume comercial de sempre, existindo ainda margem técnica para acomodar mais eletricidade, em caso de necessidade.

Apesar de Espanha estar a viver a mesma situação meteorológica do que Portugal, com pouca chuva e alguns dias de produção eólica fraca, tem outras tecnologias para abastecer a procura, a começar pelo nuclear e pelo carvão que as autoridades não autorizam a desligar por razões de segurança de abastecimento. Espanha tem igualmente uma interligação com a França, para além de Portugal, e muito mais potência solar ligada à rede.

2022 já era ano de maior risco no abastecimento de eletricidade (mesmo sem seca)

O sistema elétrico português está mais vulnerável a eventuais choques — e mais dependente da interligação a Espanha — este ano devido ao atraso da entrada em operação de alguma potência solar, mas sobretudo por causa da demora do arranque em pleno da central hídrica de bombagem do Alto Tâmega, mais resistente a situações de seca.