Há um grupo artístico em Odessa que quer lutar contra os russos com ironia e anedotas, com sede na autoproclamada “embaixada ucraniana do humor”. Como? Alterando os nomes das localidades dos sinais de trânsito. Agora vigora um palavrão para os inimigos que queiram invadir a cidade, independentemente da direção que escolham: На хуй (F*da-se, em português). Outros têm recados mais educados: “Em vez de flores, vamos recebê-los com balas. Voltem para as vossas famílias”.

Ruslan Kurliavtsev é um dos responsáveis por este gesto e assegura, entre risos, que o objetivo é “facilitar” o trânsito aos soldados russos, ao espanhol El Mundo: “Trata-se de elevar a moral das nossas tropas e demonstrar que o nosso sentido de humor permanece intacto“. São as palavras de quem trabalhou como publicitário antes da guerra, que aludem à longa e conceituada tradição de Odessa, considerada a “capital do humor” desde a era da União Soviética.

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Por sua vez, Boris Barsky não se deixa intimidar pelos soldados armados com metralhadoras e pelos “ouriços checos” (obstáculos aos veículos militares russos) nas ruas. Vai, como manda a rotina, à embaixada, também conhecida como a “Casa dos Palhaços” – onde há um busto de Lenine pintado (precisamente) como um palhaço. Barsky tornou-se popular na URSS graças à série Maski Show, que começou em 1991 e só terminou em 2012, ao ponto dos soldados o pararem e pedirem-lhe para contar uma anedota.

No quartel-general, a conversa entre o humorista e o amigo Alex Agopian é uma sucessão de piadas e recordações que contradiz o espírito triste expectável nos cidadãos de um país que está a ser destruído por uma invasão militar estrangeira. “É melhor brincar e beber [vodka] com o inimigo, do que [o inimigo] ter de nos matar“, assume Barsky, acrescentando que é até “mais saudável!”.

Ter vivido na época da União Soviética fê-los especializarem-se em mentes como a de Vladimir Putin, aprendendo a transgredir os limites de forma subliminar.

Quando éramos estudantes, uma vez saímos com um cartaz que dizia “morte aos inimigos do capitalismo”. Os censores liam [a mensagem] literalmente e nós pensávamos: “Quem é o inimigo do capitalismo? O comunismo!”, conta ao mesmo jornal.

Noutra ocasião, vestiram umas ceroulas e o “guardião da ortodoxia marxista” reparou que “o pénis estava muito marcado, algo inaceitável” e mandou os jovens comprarem algodão para tapar aquela saliência.

Do festival Humorina até a alteração dos sinais de trânsito: a história do humor em Odessa

O grupo de Barsky foi um dos grandes impulsionadores da Humorina, um desfile de rua semelhante ao carnaval realizado na cidade portuária desde 1973 no Dia da Mentira.

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A própria origem remete para os protestos contra a proibição do famoso concurso humorístico KVN, um fenómeno social ao qual as autoridades do regime colocaram um fim. Só voltou a ser permitida na “perestroika”.

Odessa é uma mistura incrível de culturas: foi fundada por um espanhol, teve governantes franceses, gregos, búlgaros, turcos, italianos, russos ou judeus. O humor é a língua comum de todos”, afirmou Mykel Beyzerman, um conhecido apresentador de programas de televisão locais.

O curioso é que a maioria dos comediantes da cidade — incluindo o próprio Barsky — são membros da comunidade judaica. “Golda Meir [antiga primeira-ministra de Israel] disse que o pessimismo é um luxo a que nós judeus não nos podemos dar. Já sofremos bastante e o humor é a nossa forma de combater a história”, justifica Barsky.

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No fim, o propósito resume-se ao comentário de um morador de Odessa: “Vamos matar os russos de todas as formas, com balas ou com risos“.

Além da guerra com armas, na Ucrânia está a disputar-se igualmente uma batalha de comunicação e jogos mentais (e não só com sinais de trânsito).  Já anteriormente, os veículos militares abandonados pelas tripulações russas, com os depósitos vazios, rendeu inúmeros vídeos e a permissão da agência ucraniana para a prevenção da corrupção (NACP) para a  população, se assim o quisesse ficar com eles.

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