Foi em 2015 que a cientista Alejandra Mejía percebeu pela primeira vez que queria estudar biologia marinha. Estava a fazer o batismo de mergulho nas ilhas de Honduras, no mar das Caraíbas, na América Central.
Nesse episódio, a cientista natural da Guatemala, onde concluiu a Licenciatura, experienciou um pequeno filme da vida marinha em tempo real em águas pouco profundas: corais, esponjas, plantas aquáticas e peixes coloridos. Dois anos depois, magnetizada por esse universo, estava a mergulhar diariamente, na costa do Panamá, durante um mês, para fazer um curso em ecologia dos recifes de coral.
Por isso, o ano passado, quando estava a viver em Plentzia, município espanhol no País Basco, ao abrigo do Erasmus+ para fazer o Mestrado em Ambiente e Recursos Marinhos, — consórcio entre as universidades do País Basco; Southampton, no Reino Unido; Bordéus, em França; e Liège, na Bélgica —, Alejandra estava à procura de formas de ingressar num doutoramento.
Estamos a focar-nos na investigação de ecossistemas marinhos pouco profundos, visíveis, que são belos, mas a profundidade média do oceano é de quase quatro mil metros, menos visível, e estamos a descobrir que está repleto de vida: eu quero ajudar a desvendá-lo e a compreendê-lo e contribuir para conservá-lo.”
Encontrado o norte da sua vida (“investigar mais sobre o fundo do mar”, mais especificamente ecologia marinha), a cientista de 28 anos procurou online por vários projetos de investigação em biologia marinha na Europa, bem como nomes de cientistas com quem gostaria de trabalhar. Nas pesquisas, esta informação destacou-se: “Joana Xavier, Coordenadora do DEEPbaseline”. Tinha encontrado “um tesouro”.
O DEEPbaseline é um projeto interdisciplinar que junta investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), Universidade de Aveiro, e o Okeanos – Centro de Investigação em Ciências Marinhas (Universidade dos Açores).
O projeto é financiado pelo Fundo para a Conservação dos Oceanos, promovido pelo Oceanário de Lisboa e a Fundação Oceano Azul, e está a criar conhecimento sobre a diversidade e a distribuição de habitats de esponjas e corais de mar profundo da plataforma continental de Portugal.
Alejandra marcou entrevista com Joana Xavier e não hesitou: “identifiquei-me com o projeto e era com ela que eu queria aprender”. A investigadora e líder da equipa de investigação em Biodiversidade e Conservação de Mar Profundo do CIIMAR aceitou orientá-la e aconselhou-a a candidatar-se à bolsa de Doutoramento INPhINIT, financiada em cerca de 115 mil euros pela Fundação “la Caixa”, em centros de investigação de excelência.
Alejandra foi selecionada e começou em outubro do ano passado no CIIMAR, um dos mais conceituados centros europeus de investigação em ciências marinhas.
Até 2024, a cientista vai estudar a composição da fauna dos Ecossistemas Marinhos Vulneráveis (EMV), principalmente corais e esponjas, da plataforma e talude continental de Portugal. “Unravelling the composition of Vulnerable Marine Ecosystems in the deep Eastern Atlantic Ocean through eDNA tools” é nome do projeto de doutoramento que desenvolverá sob a alçada do DEEPbaseline, e que alia investigadores, pescadores, stakeholders e decisores.
“Graças aos pescadores sabemos que estes indicadores VME existem em Portugal, porque nos trazem amostras. Agora queremos estudar isto de forma mais sistemática”, enfatiza.
Para isso, ela vai utilizar ADN ambiental (eDNA), a partir de “amostras de água recolhidas bem perto do fundo do mar”, que permitem detetar o rasto de espécies e avaliar o nível de vulnerabilidade desses habitats. Como? Através de células de tecidos biológicos, gâmetas [cada uma das células sexuais], mucos e resíduos metabólicos, ou seja, o rasto genético dessas espécies.
“O eDNA está a revolucionar a forma como se monitoriza a biodiversidade e tem imenso potencial na água e no ar. Este projeto quer levá-lo mais longe, ao mar profundo, na deteção de EMV.” É um método promissor, mas ainda não foi testado “para uma gama taxonómica mais vasta de espécies bentónicas formadoras de habitats”.
Com este trabalho, a investigadora que hoje mora e trabalha com vista para o Oceano Atlântico, tem a expectativa de contribuir para avaliar o potencial das ferramentas de eDNA, de forma a identificar EMV entre as comunidades bentónicas — conjunto dos animais marinhos que habitam os fundos marinhos, alguns fixos, outros móveis — de profundidade do Atlântico Oriental.
Dessa forma, poderá ajudar a reforçar não só a importância da ciência na conservação e gestão sustentável das profundezas do mar, mas também propor um protocolo que identifique indicadores de EMV.
“Os Ecossistemas Marinhos Vulneráveis são habitats cruciais no mar profundo [a coluna de água e o chão oceânico abaixo dos 200 metros de profundidade, que se pode estender mais ou menos até 11 quilómetros]. Esses ecossistemas são compostos principalmente por agregações de corais e esponjas e fornecem importantes funções ao mar”, diz Alejandra, enquadrando este ainda desconhecido admirável mundo oceânico.
Na bancada do laboratório onde trabalha há frascos de vidro com corais e esponjas mergulhadas em etanol. Uns são verdes, outros brancos e pretos. O líquido de alguns está alaranjado, contrastando com a imposição da cor branca do espaço de trabalho: paredes, mobiliário e bata. São espécies da costa portuguesa e percebe-se que são seres delicados e frágeis. Consegue-se, por isso, imaginá-los no fundo do mar.
Esses habitats são extremamente vulneráveis a perturbações da atividade humana no mar, como as pescas, extração de metais, exploração de gás e petróleo ou alterações climáticas — e que tem vindo a intensificar-se. Por isso que a conservação é tão urgente.”
Quando estes ecossistemas são destruídos, ou fragilizados, levam muito tempo até conseguirem recuperar. “Desde décadas, a séculos, comprometendo também a diversidade e a abundância de muitas espécies — inclusivamente comerciais — que neles habitam.”
Alejandra está focada em contribuir para que a conservação dessas espécies seja uma prioridade. Até ao momento essa é, por um lado, uma tarefa hercúlea, porque há grandes lacunas de informação que dificultam a conservação de EMV.
Por outro, é uma corrida contra o tempo, visto que “a distância para chegar até esses habitats no mar profundo é enorme”, exigindo uma grande capacidade financeira — que torna os projetos de exploração científica desta natureza praticamente incomportáveis, logo raros.
É necessário recorrer a expedições em navios oceanográficos, com tecnologia específica, como veículos operados remotamente, para conseguir recolher imagens do fundo do mar e ter ferramentas robotizadas para recolher espécimes. “Essas amostras para identificação molecular de um organismo são preciosas, mas as que temos atualmente são ainda limitadas.”
Depois, “os métodos tradicionais baseados na análise de imagens de câmaras têm uma resolução reduzida para identificação das espécies”.
Consegue-se melhor compreender ao que a investigadora se refere quando mostra, no ecrã do computador, um pequeno vídeo de um Ecossistema Marinhos Vulnerável no fundo do Ártico. Veem-se algumas centenas de esponjas e corais, que são a casa para outras espécies marinhas. No método atual de caraterização de EMV por imagem, no fundo do mar, é preciso anotá-las manualmente à medida que aparecem na imagem.
“Leva muito tempo e, mesmo que se seja um especialista, é muito difícil identificar, com certeza, qual é a espécie que realmente estamos a ver”, problematiza. Por isso, com ferramentas moleculares é muito mais exato identificar as espécies, mesmo as que não estão visíveis”.
Porém, “este método é um complemento à metodologia de análise de imagens e não um substituto”, ressalva Alejandra, pois privilegia-se a análise comparativa, que tem sido utilizada para estudar corais, por exemplo, apresentando resultados promissores.
Neste primeiro ano de doutoramento, vai tentar desenvolver o protocolo e preencher eventuais lacunas sobre o conhecimento do mar profundo português. “Como ainda sabemos pouco — e sobre estes habitats de EMVs, em particular — primeiramente vamos testar o nosso protocolo no Ártico, que é um local já com alguns estudos neste âmbito e depois vamos refiná-lo para usar cá.”
O processo consiste em “processar água”, explica a bióloga marinha, apontando para um recipiente no chão do laboratório que é uma bomba de água. Para isso, é preciso fazer-se uma expedição científica de navio.
Uma vez no mar, no local identificado perto de habitats de EMV, retira-se uma amostra da água, através de garrafas com capacidade de recolha de 12 litros, que serão abertas e fechadas consoante a necessidade. A água vem dentro das garrafas que foram fechadas hermeticamente e que estão montadas numa estrutura metálica chamada “rosette sampler”, que é içada por um cabo ligado ao navio, tipo elevador.
Ainda no barco, a água das garrafas é filtrada com filtros especiais, tubos e a bomba de água. “Fazemo-lo para que o eDNA que está muito diluído no oceano permaneça nos filtros”, explica a cientista, enfatizando que a sua tarefa é mais a parte laboratorial.
“Após a filtragem, congelamos os filtros e levamo-los para o laboratório, onde extraímos o ADN das amostras, amplificamo-lo através de PCR [reação em cadeia da polimerase, usada para fazer muitas cópias de ADN], e enviamo-lo para sequenciação.”
Depois, a cientista vai comparar o código genético e a descrição molecular da espécie nas bibliotecas online internacionais do National Center for Biotechnology Information e do European Nucleotide Archive, que têm bases de dados de acesso público sobre informação biomédica e genómica. “Assim, temos uma ideia das espécies que aí vivem e podemos identificar potenciais VME”.
“Uma limitação que podemos ter ao procurar por estas espécies é que existem muitas delas que nunca foram recolhidas ou sequenciadas, por isso vai haver ADN para o qual não vamos encontrar uma correspondência exata”, antevê a cientista.
“Isso significa que vamos ter de encontrar amostras de corais e esponjas em coleções científicas e sequenciá-las para, depois, fazermos essa correspondência de forma mais precisa e isso faz parte do protocolo de preencher as lacunas que podemos ir encontrando.”
“Se conseguirmos ser bem sucedidos, esta investigação vai dizer-nos mais sobre as espécies que estão a viver no fundo do mar e baixar os custos da investigação para esta área.E isso é um passo importante para a conservação de ecossistemas vulneráveis.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. Alejandra Mejía, atualmente a desenvolver investigação no CIMAR, foi uma dos 65 selecionados (sete em Portugal) – entre 1308 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2021 do programa de bolsas de doutoramento INPhINIT. A investigadora recebeu 115 mil euros para desenvolver o projeto ao longo de três anos. As candidaturas para a edição de 2022 já encerraram. Os prazos para a edição de 2023 arrancam em novembro.