Há uma semana, o Governo previu um aumento de 16 cêntimos por litro no gasóleo e de 11 cêntimos por litro na gasolina para o início desta semana e os preços médios compilados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) confirmaram quase ao cêntimo estas previsões. O gasóleo subiu em média 16,7 cêntimos por litro e a gasolina 11 cêntimos. Só que isto também quer dizer que o efeito de travão que o Executivo esperava obter com a redução do imposto petrolífero não se materializou, pelo menos no imediato.
Se as petrolíferas tivessem refletido automaticamente a descida temporária do imposto, aplicada com o objetivo de neutralizar os ganhos que o Estado tem no IVA por via do aumento do preço antes de impostos, as subidas na segunda-feira teriam sido mais suaves. Essa era, aliás, a expetativa no Ministério das Finanças, como é visível num dos slides apresentados na conferência de imprensa pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, no qual estava quantificada a previsão de redução do preço final de venda ao público em 2,4 cêntimos no gasóleo e 1,7 cêntimos na gasolina.
Se esta previsão se tivesse confirmado, o gasóleo teria subido “apenas” 14 cêntimos e a gasolina menos de 10 cêntimos por litro.
António Mendonça Mendes sublinhou na altura que a descida do imposto petrolífero — ao contrário da redução da taxa de IVA que Portugal propôs em Bruxelas — não garante uma descida de preços porque há uma tendência histórica de as empresas se apropriarem dessa margem e não a passarem para os clientes finais. Os dados médios disponíveis para a primeira semana em que vigorou o mecanismo de devolução do IVA a mais cobrado parecem dar-lhe razão. Mas a conclusão pode não ser tão evidente. E por vários motivos.
Em primeiro lugar, a previsão do Governo pode estar desalinhada das contas feitas pelas petrolíferas. Ainda que todos sigam a evolução das cotações médias semanais do petróleo e dos produtos refinados, há vários indicadores e publicações que dão esses dados, o Plats é o mais conhecido, e há também mais do que um mix das variáveis que podem entrar na equação. O período temporal abrangido tem igualmente um efeito importante no resultado final e as contas do Governo não incluem o fecho de sexta-feira.
Temos sido confrontados com uma sucessão de notícias de prováveis aumentos — que passaram a descidas esta semana — com base na evolução das cotações até ao dia anterior e que mudam a cada dia (às vezes a cada hora) em que a conta é feita. As previsões para a evolução dos preços dos combustíveis na próxima semana apontaram uma descida acentuada, fruto do alívio sentido na cotação do petróleo e produtos refinados, mas a dimensão dessa baixa foi variando entre os 10 e 20 cêntimos por litro.
A evolução dos indicadores de referência para esta sexta-feira de manhã apontava para a baixa de 17 cêntimos no gasóleo e de 13 cêntimos na gasolina, de acordo com fontes do setor petrolífero contactadas pelo Observador. Estes valores foram mais tarde validados nas previsões divulgadas pelo Ministério das Finanças.
Outra explicação para a discrepância tem a ver com o tempo de reajustamento dos preços à redução do imposto que foi apenas publicada no sábado. O preço médio é divulgado pela DGEG na terça-feira ao final do dia e reflete as variações ocorridas na segunda-feira — dia em que a maior empresa do setor, a Galp, reajusta a sua política comercial — fazendo uma ponderação que contabiliza os descontos aplicados ao preço de venda e as quantidades vendidas por cada preço. Nessa medida, pode ainda não ter apanhado o efeito da redução do imposto.
Será preciso esperar mais tempo, para perceber se a variação do imposto petrolífero nos termos em que o Governo a decidiu fazer (apenas como compensação pelos ganhos do IVA) tem efeito percetível nos preços finais. Ou se se limitam a anular o “lucro” que o Estado estava a ter com o aumento dos combustíveis, isto considerado o valor de impostos cobrado por litro e que agora passou a ter um referencial fixo.
Governo abdica de aumento de imposto em semana de descida recorde nos combustíveis
Para a semana, e fruto das descidas também elas históricas do preço final, o movimento devia inverter-se com o imposto petrolífero a aumentar para manter a neutralidade na cobrança fiscal por litro de combustível. No entanto, e considerando a incerteza que se vive no mercado, o Governo optou por manter a descida do ISP encaixando uma perda fiscal no IVA na próxima semana. Desta forma, evita tirar dimensão à descida anunciada — 2 cêntimos em 13 cêntimos gasolina e 2,6 cêntimos em 17 cêntimos no gasóleo — ao mesmo tempo que se livra do desconforto político que seria assumir um aumento de imposto maior do que a descida feita uma semana antes, num contexto ainda de combustíveis muito caros.
Além de que, para determinar a neutralidade fiscal — e isto não é um detalhe — o Executivo fixou um valor mais alto do que receita das semanas anteriores porque teve como referência o preço médio na semana em que os combustíveis começaram a disparar — a primeira semana de março — em relação à qual optou não devolver o ganho no IVA que teve com esse primeiro aumento recorde.
Ainda assim, e durante a próxima semana, o Estado estará a perder receita fiscal em cada litro de combustível face aos valores de referência que fixou. Em comunicado, o Ministério das Finanças diz que voltará a aplicar-se a formula na próxima semana com os correspondentes ajustamentos.