A escolha de Cristina Rodrigues para o gabinete parlamentar do Chega deu muito que falar — desde logo com críticas de vários dirigentes partidários, da esquerda à direita —, mas também está a ter repercussões dentro do próprio partido liderado por André Ventura, com várias desfiliações no espaço de pouco tempo. Em causa, dizem vários militantes ouvidos pelo Observador, está a incoerência na escolha de alguém que defende valores distantes daquilo que têm sido as bandeiras do partido.

O distrito de Santarém, pela proximidade ao mundo rural e à defesa das touradas, está no topo das críticas à contratação da ex-deputada do PAN, tendo em conta que o combate a esta atividade tem sido um dos maiores de Cristina Rodrigues. João Lynce, eleito pelo Chega para a Assembleia da União de Freguesias de Santarém, vai deixar o partido e o cargo por se sentir “indignado” e “defraudado“.

Cristina Rodrigues, ex-deputada do PAN, vai ser assessora parlamentar do Chega

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Na opinião do até agora militante, a escolha de Cristina Rodrigues é “diametralmente oposta ao programa do Chega”. Lynce argumenta, em declarações ao Observador, que “um partido que não tem ideologia e que não respeita as bases, não tem futuro”. A opção para o gabinete parlamentar foi a “grande gota de água” por ser uma pessoa que “é do IRA, que chama assassinos às pessoas que estão envolvidas nas corridas de touros” e tendo em conta que “no mundo rural a grande maioria das pessoas vive da tauromaquia, dos touros, doa cavalos e de tudo o que envolve a tauromaquia”.

A “traição” da direção nacional e um deputado “desilusão”

Além do afastamento do partido, João Lynce admite ainda que Pedro dos Santos Frazão foi “outra grande desilusão” por não se ter colocado do lado da população de Santarém neste momento.

“Uma pessoa que vai para a porta do Campo Pequeno chamar-nos assassinos, que nos chama nomes, que defende o aborto, o consumo de estupefacientes — tudo coisas que nos opomos —, agora vamos pagar-lhe um ordenado?” A pergunta de Manel Inez, do Chega/Santarém, é comum a vários dos militantes do partido.

Manuel Inez, que apoiou e ajudou na campanha de Pedro dos Santos Frazão — eleito deputado por Santarém —, já apresentou a desfiliação. “Não pactuo com traições, faltas de respeito, injustiças e outras tantas coisas francamente más na minha opinião”, escreveu numa publicação que fez no Facebook. Ao Observador, conta que se juntou ao Chega por concordar com os “princípios mais tradicionalistas e clássicos” do partido e que saber da contratação de Cristina Rodrigues “foi a razão” que o levou a afastar-se definitivamente.

Um dos comentários à publicação é do próprio deputado do Chega eleito por Santarém — o distrito que surge no topo das críticas devido à defesa das touradas, um dos temas contra os quais Cristina Rodrigues mais lutou. “Manel, obrigado pela ajuda até aqui nesta caminhada. Compreendo-te mas quero deixar bem claro que os ideais não mudaram, a matriz política não mudou, aquilo que defendo não mudou. Nada mudou, nem vai mudar. Cá estaremos todos, se Deus quiser, para comprovar isso”, escreveu.

“No CDS não haveria alguém mais próximos da nossa linha de pensamento?” O militante que decidiu desfiliar-se acredita que era possível, tanto dentro do partido como noutros partidos à direita, arranjar soluções com “conhecimento e experiência” no Parlamento, até porque, segundo diz, Cristina Rodrigues “só foi deputada do PAN durante pouco mais de um ano e depois nem tinha grupo parlamentar”.

Outro militante do Chega/Santarém, também defensor do mundo rural, prefere não se identificar por dizer que “não existe liberdade intelectual dentro do partido” e que as suas declarações levariam a uma “suspensão devido ao estado ditatorial que se vive no partido”.

Ajudou na campanha de Pedro dos Santos Frazão, deu “a cara pelo Chega” e diz ter “vendido as ideias do partido aos amigos para se envolverem e ajudarem”. Agora, sente que levou uma “chapada à traição” por crer que “a escolha de Cristina Rodrigues vai contra os valores do partido”.

“Contratar esta senhora vai contra o mundo rural. Fomos atraiçoados pela nacional, inclusive Pedro dos Santos Frazão, porque é conivente. Se querem tachos, somos iguais aos outros partidos”, acusa, frisando que esta é uma “contratação de André Ventura” e que os “deputados eleitos são ‘yes man‘”.

Maria Helena Costa é militante do Chega/Porto e juntou-se ao protesto contra Cristina Rodrigues no gabinete parlamentar. “Se entra uma esquerdista, usada pelas esquerdas na última legislatura, animalista, uma das maiores defensoras da ideologia de género, pró-aborto e eutanásia, barrigas de aluguer, a favor da proibição das ditas terapias de conversão (que retira aos pais qualquer direito de proteger os seus filhos da militância radical trans e afins), e da agenda LGBTQIAP+, eu só posso sair como entrei, publicamente”, escreveu a militante do Porto nas redes sociais.

Chega garante que contratação é “meramente técnica”

Já depois de a direção do partido ter referido, em comunicado, que Cristina Rodrigues “prestará apoio, enquanto coordenadora jurídica, ao gabinete parlamentar”, o deputado Pedro dos Santos Frazão esclareceu, em resposta ao Observador, que a contratação é “meramente técnica, não tendo, por isso, qualquer função política, mas apenas e só de natureza jurídica, tendo em conta a sua experiência parlamentar”.

“Esta contratação, como outras que foram feitas para o grupo parlamentar, não coloca em causa aqueles que são os valores máximos do partido e jamais colocará em causa o apoio do Chega ao mundo rural e suas tradições, que é uma das principais prioridades do partido”, realçou o vereador e deputado eleito por Santarém.