O primeiro a apontar o dedo foi Ben Wallace. Foi do gabinete do ministro da Defesa britânico que saíram as imagens que deram a volta ao mundo, a começar na imprensa do Reino Unido. A descrição? Um enorme veículo, uma espécie de híbrido entre uma carrinha frigorífica e um camião de lixo, com um incinerador no seu interior, capaz de cremar corpos humanos.
Na nota enviada à imprensa britânica, o gabinete do ministro dava conta de que estes veículos tinham sido vistos a seguir as colunas militares russas a caminho da fronteira ucraniana. Ben Wallace acreditava, nessa altura, exatamente um dia antes de a Rússia invadir a Ucrânia, que os incineradores serviriam para cremar soldados russos mortos em combate, para esconder a verdadeira dimensão das baixas da guerra.
Agora, ao 42.º dia de guerra, é o autarca de Mariupol que afirma que estes crematórios móveis chegaram à sua cidade. Mas o motivo é outro. Vadym Boychenko, através de uma publicação no Facebook, na conta oficial da câmara municipal, acusa os russos de estarem a queimar os corpos de civis ucranianos para que não seja encontrado um cenário semelhante ao de Bucha.
“Os racistas transformaram toda a nossa cidade num campo de concentração. Infelizmente, a estranha analogia está a ser cada vez Mais confirmada. Esta não é mais a Chechénia ou Alepo. Esta é a nova Auschwitz e Maidanek”, escreveu o autarca. Os números mais recentes, e que pecam por defeito e não excesso, apontam para 5 mil mortos em Mariupol, cidade portuária do sul. A realidade, numa região de 400 mil habitantes, deverá ser bem pior.
Boychenko acusou a Rússia de usar os crematórios móveis para destruir provas de crimes de guerra. “É por isso que a Rússia não tem pressa em dar luz verde à missão turca e a outras iniciativas para salvar e evacuar totalmente Mariupol.”
“The scale of the tragedy in Mariupol the world has not seen since the times of Nazi concentration camps,” mayor Vadym Boychenko said. Russians, he added, “turned our whole city into a death camp.”
— The Kyiv Independent (@KyivIndependent) April 6, 2022
O que são os crematórios móveis?
Apesar dos relatos, das acusações e das suspeitas, não são conhecidas, até agora, imagens dos crematórios móveis. O vídeo divulgado pelo Ministério da Defesa britânico não é atual e não é de um campo de batalha.
Então, o que mostra o vídeo?
É um vídeo promocional do incinerador IN-50, desenvolvido pela empresa russa Turmalin, que se dedica ao desenvolvimento deste tipo de engenhos. O que se vê, segundo a informação disponível no site, é o ensaio de um crematório de resíduos biológicos.
[O vídeo original da empresa Turmalin, especializada na construção de incineradores]
O que são os resíduos biológicos?
São materiais que estiveram em contacto com fluídos corporais e que representam perigo para a saúde pública se não forem corretamente descartados, já que contém microrganismos. São disso exemplo, seringas, pipetas, placas de Petri e todos os resíduos provenientes de enfermarias de doentes infeto-contagiosos, de blocos operatórios ou salas de autópsia, entre outros.
Então, este incinerador também pode cremar humanos?
As temperaturas variam consoante os diferentes resíduos que são cremados e no site, em russo, não se encontra a temperatura que o IN-50 atinge. O processo de cremação humana é feito a uma temperatura de aproximadamente 1.000 graus Celsius.
A empresa tem outro tipo de crematórios móveis?
Tem e inclusivamente para a cremação de humanos. No seu site, a Turmalin aconselha o tipo de incinerador que o cliente deve escolher consoante o que pretende destruir, e que pode variar entre resíduos biológicos, hospitalares, medicamentos, pesticidas agrícolas e lixo comum.
Para serviços rituais, a empresa tem o crematório IN-50.3K (frisando que tem soluções móveis). No vídeo de apresentação deste equipamento, a empresa explica que se trata da instalação do crematório de uma funerária da região de Yuzhno-Sakhalinsk, na Rússia.