Não vai haver qualquer marcha atrás na ambição de descarbonizar a economia, apesar dos novos desafios colocados pela crise energética que levaram já o Governo a anunciar um pacote de medidas de compensação pelos preços altos.
Duarte Cordeiro, o novo titular da pasta que junta (cada vez mais) energia e ambiente, foi categórico na recusa em reativar as centrais a carvão — que Portugal foi um dos primeiros países europeus a encerrar. “Não pretendemos reativar as centrais a carvão. Os defensores de uma economia dependente e de descarbonização adiada nem pensam no preço absurdo que os custos de produção da eletricidade atingiria.” Uma clarificação feita logo na primeira intervenção do novo ministro do Ambiente e Ação Climática depois de terem surgido notícias de que este cenário estava a ser estudado por iniciativa do Governo (o anterior que tinha na pasta da energia o mesmo secretário de Estado da Energia).
Em resposta ao deputado do Chega, Filipe Melo, que defendeu uma revisão das prioridades da transição “energética e digital para a soberania energética e hídrica”, o ministro do Ambiente e Ação Climática citou um político alemão “liberal” — o ministro das Finanças, Christian Lindner — dizendo que “as renováveis são a energia da liberdade”. A “sua estratégia para a guerra é ficar dependente da Rússia (grande produtora de gás, carvão e petróleo). A nossa estratégia é o contrário”. Acelerar a expansão das renováveis, com um leilão de potência offshore no horizonte depois do solar flutuante adjudicado esta semana, e agilizar o licenciamento das novas centrais solares, fazem parte da estratégia.
A resposta à crise energética vai passar não por uma mudança da estratégia em relação às últimas legislaturas, mas por uma aceleração de metas de redução de emissões e incorporação de fontes renováveis, com o ministro a defender que a aposta na sustentabilidade é também o melhor caminho para atingir a independência energética. O Governo vai também criar mais almofadas para diminuir os preços. Um trabalho que já estava a ser feito no passado (no preço da eletricidade), sublinhou o ministro do Ambiente e que permitiu que Portugal viva hoje uma menor pressão da inflação (face a outros países europeus).
Taxas sobre lucros extraordinários? Para já, ministro só admite mutualizar ganhos
Duarte Cordeiro falou logo a seguir ao ministro da Economia, António Costa Silva, que deixou a ideia de que o Governo estaria a estudar uma taxa/imposto sobre os lucros extraordinários (designados de windfall profits — lucros caídos do céu) que as empresas de energia estarão a encaixar com o aumento dos preços. E este foi o tema de várias perguntas feitas sobretudo à esquerda, ainda que cá fora o presidente do PSD, Rui Rio, tenha apoiado a ideia.
Rui Rio concorda em taxar lucros conjunturais devido à guerra ou pandemia
Bruno Dias do PCP pergunta se o ministro tem coragem política “para enfrentar interesses e intervir nas margens e preços” e taxar os lucros “das grandes petrolíferas”, lembrando que existe uma lei para tal que não foi usada e a proposta do partido para fixar as margens de refinação da Galp. Mais direta, Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda avisa que a descida do preço de gás (para a eletricidade) vai ser paga com défice e faz a pergunta: “Vai criar uma taxa sobre os lucros extraordinários da EDP?”
A resposta de Duarte Cordeiro parece ir noutra direção que aliás já tinha sido indicada pelo primeiro-ministro no primeiro dia de debate do programa. Em vez de taxar lucros, o Governo prefere redirecionar os lucros inesperados para a redução de preços dentro do próprio sistema elétrico, através da mudança das regras do mercado grossista de eletricidade.
Costa diz que ganhos extraordinários das renováveis vão financiar controlo do preço da eletricidade
A proposta ibérica em discussão com Bruxelas passa por “mutualizar os ganhos que a senhora deputada quer taxar. Os consumidores vão beneficiar da tarifa mais baixa do gás e com isso de uma tarifa mais baixa da eletricidade. O sistema fica mais protegido das pressões inflacionistas”. E Duarte Cordeiro diz que com a proposta (que fixa um preço máximo para o gás usado na geração elétrica) até seria possível reverter o aumento extraordinário das tarifas de 3% que está em vigor desde abril. “Temos de encontrar as melhores soluções para proteger os consumidores”, mas também “salvaguardar o mercado”.
Ambiente e energia no mesmo secretário de Estado (Galamba). “Vamos separar responsabilidades”
O tema dos interesses económicos também veio à baila na intervenção da deputada agora única do PAN, mas no caso de Inês Sousa Real a preocupação era com a junção do ambiente e energia. “Pode garantir que a política ambiental não vai continuar refém dos interesses económicos? Não vai a independência energética colocar em causa reserva agrícola e ambiental? As duas pastas já estavam no mesmo ministério, mas nesta orgânica ficaram debaixo da mesma secretaria de Estado. E Bruno Coimbra do PSD criticou a opção de “juntar duas pastas tão densas na tutela de um secretário de Estado — João Galamba — que sempre desprezou o ambiente e a contestação das populações à mineração (lítio)”.
Duarte Cordeiro lembra que a compatibilização entre energia e ambiente já existia e foi rápido a desfazer eventuais dúvidas: “Dentro do ministério vamos separar as responsabilidades de cada um”. Assim, o secretário de Estado do Ambiente e Energia ficará com o setor empresarial nesta área. Os recursos hídricos ficam na tutela da secretaria de Estado da Conservação da Natureza e Florestas e a sensível área da avaliação ambiental é assumida pelo ministro.
Numa intervenção inicial marcada por muitos números e metas, o ministro do Ambiente referiu ainda as prioridades na gestão da paisagem, na valorização do património natural, nas florestas e na biodiversidade, sem esquecer a eletrificação da mobilidade e reorganização dos territórios de baixa densidade e o valor “mais alto de sempre” de 19 milhões de euros do Fundo Ambiental para as áreas protegidas que Duarte Cordeiro quer expandir. E, se em termos de agenda e prioridades, a única coisa que muda (de acordo com o ministro) é uma maior ambição e mais meios para atingir os objetivos, Duarte Cordeiro deixou outra nota que pode ser entendida como uma mudança de estilo, apesar da maioria absoluta.
Esta “transição exige capacidade de decisão, mas não se vai deixar de ouvir quem é afetado ou quem se opõe à mudança. Não fechamos nenhuma porta, as portas vão ficar abertas”.