A Rússia ficou, esta quinta-feira, sem um dos seus principais ativos militares, o navio de guerra Moskva, que até agora comandava a poderosíssima Frota do Mar Negro. De que alguma coisa aconteceu com o imponente navio russo, com 510 tripulantes a bordo, já não restam dúvidas: tanto a Rússia como a Ucrânia confirmam a informação. Contudo, há duas versões da história. A Ucrânia garante que atacou o navio com mísseis e que a embarcação afundou; já a Rússia começou por dizer que se tratou da detonação acidental de munições a bordo, que resultou num incêndio. Só ao final do dia, Moscovo assumiu que a embarcação se afundara.

A informação foi inicialmente avançada, com humor, pelo chefe da administração militar regional de Odessa, Maksym Marchenko, no Telegram. “Confirma-se que o cruzador ‘Moskva’ foi hoje exatamente para onde tinha sido mandado pelos nossos guardas fronteiriços na Ilha das Serpentes. Os mísseis ‘Neptune’ que guardam o Mar Negro causaram danos muito graves no navio russo”, escreveu Marchenko.

O responsável ucraniano fazia uma referência a um célebre episódio ocorrido no primeiro dia da invasão russa da Ucrânia, quando o Moskva navegou ao largo da Ilha das Serpentes, uma minúscula mas estratégica ilha ucraniana no Mar Negro, defendida por uma pequena guarnição de guardas fronteiriços ucranianos. Confrontados via rádio com a exigência russa para que se rendessem, os guardas responderam: “Navio de guerra russo, vai-te f****.” As palavras não impediram que os russos capturassem a ilha. Os guardas em questão foram dados como mortos e classificados como heróis nacionais, foi-lhes prometida por Volodymyr Zelensky uma condecoração póstuma e o grito tornou-se num slogan da resistência ucraniana — até se fizeram selos postais com ele. Alguns dias depois, soube-se que afinal os soldados estariam vivos, mantidos em cativeiro pelas tropas russas.

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Os danos neste navio simbólico tornaram-se, rapidamente, um significativo instrumento de propaganda ucraniana, com vários responsáveis das forças armadas da Ucrânia a pronunciarem-se publicamente sobre o assunto. Através de um comunicado, o Comando Operacional Sul das forças ucranianas confirmou mais detalhes sobre a operação: “Na zona operacional do Mar Negro, o porta-estandarte da Frota do Mar Negro, o cruzador Moskva, foi atingido por um míssil anti-navio Neptune e ficou gravemente danificado. Deflagrou um incêndio. Outros navios procuraram ajudá-lo, mas uma tempestade e uma grande explosão de munições levaram o navio a capotar e começou a afundar.

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Por seu turno, um conselheiro do Presidente ucraniano, Oleksiï Arestovitch, pronunciou-se de modo sarcástico sobre o incidente com o navio russo. “Chegou uma surpresa ao navio-almirante da frota russa no Mar Negro”, disse, num vídeo publicado no YouTube.

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Contudo, da parte de Moscovo, a primeira informação oficial foi muito diferente. “Em resultado de um incêndio, munições detonaram no cruzador de mísseis Moskva. O navio ficou gravemente danificado. A tripulação foi completamente retirada“, disse o Ministério da Defesa russo, citado pela agência Tass. O ministério acrescentou que a causa do incêndio ainda não era conhecida, mas que estava sob investigação. Ao final do dia, quando assumiu uma outra versão, o Ministério da Defesa da Rússia falou sobre a existência de uma “forte tempestade” na zona que criou ainda mais instabilidade no navio – ajudando a que este se afundasse.

A bordo do Movska estavam 501 tripulantes que Moscovo diz terem sido retirados do navio

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Aquando das primeiras notícias sobre o tema, também o Pentágono disse que, até àquela altura, não era possível ter a certeza do que aconteceu com o navio. “Não estamos exatamente certos do que aconteceu aqui. Sabemos que houve uma explosão, pelo menos uma explosão neste cruzador”, disse John Kirby, o porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, esta quinta-feira à MNSCB. De acordo com a análise norte-americana, o navio ainda estava “capaz de continuar o seu caminho e estava “a fazê-lo”, provavelmente em direção a leste, à cidade de Sebastopol, na Crimeia, onde poderia ser objeto de trabalhos de reparação. “Não sabemos ao certo o que aconteceu.”

De qualquer dos modos, o ataque ao Moskva está já a ser considerado por analistas internacionais como um dos maiores ataques da guerra na Ucrânia — com o potencial para infligir à Rússia uma das mais duras perdas de material e de tropas desde o início da invasão. “A confirmar-se, vai provavelmente ficar para a história como um dos mais audaciosamente bem sucedidos ataques da história naval moderna”, escreveu o historiador britânico Chris Owen. “Se tiver afundado, o Moskva terá sido a maior perda de um navio de guerra desde a Segunda Guerra Mundial.”

Além do simbolismo“, continuou Owen, o Moskva tem “um grande valor militar como plataforma para a defesa aérea e para o bombardeamento com mísseis de alvos terrestres. A sua perda é muito significativa para ambos os lados.”

Um dos maiores navios de guerra do mundo

Construído na era soviética, na década de 1970, o Moskva entrou ao serviço das forças armadas soviéticas no início da década de 1980. Com um comprimento de 186 metros e um peso de 12 mil toneladas, é um dos maiores navios de guerra do mundo e atinge uma velocidade de 32 nós (perto de 60 quilómetros por hora). Além disso, o navio tem sistemas de defesa sofisticados que, em tese, deveriam ter impedido um ataque com um simples míssil. Segundo a BBC, o navio tem um sistema triplo de defesa anti-aérea, incluindo um sistema de último recurso que consiste em armas de curto alcance capazes de disparar 5 mil munições por minuto.

Se, efetivamente, o ataque tiver tido origem num míssil Neptune, o facto vai levantar “questões sobre as capacidades de modernização da frota de superfície da Rússia, se tem munições suficientes ou se havia problemas de engenharia”, disse à BBC o especialista naval Jonathan Bentham. “Na prática, pensaríamos que com um sistema de defesa anti-aérea triplo, seria muito difícil atingir o navio.”

Chris Owen chama a atenção para um facto central: provavelmente, a Rússia não conseguirá substituir o Moskva, uma vez que a Turquia tem neste momento o canal do Bósforo fechado à marinha de guerra. Será, por isso, uma perda decisiva para as forças russas no Mar Negro, numa altura em que o combate se concentra na região sul da Ucrânia, com a região a norte da Crimeia, a cidade de Odessa e a região de Donbass no centro do combate.

O padrão do Moskva: aproximar-se como ameaça para deslocar tropas de outras zonas

O navio terá sido atingido por mísseis Neptune, uma classe de mísseis fabricada pelos ucranianos a partir de 2019 que ainda não tinham sido usados em combate. Segundo Chris Owen, os ucranianos aproveitaram uma tempestade para agir de modo mais discreto, sem que os russos se conseguissem aperceber  das preparações do lançamento do míssil. Os ucranianos terão ainda usado um avião de observação como distração, forçando o navio russo a apontar o radar para um lado e atacando pelo outro.

Desde o início da guerra na Ucrânia, o Moskva tem tido uma participação discreta nas operações militares russas. Depois do célebre episódio na Ilha das Serpentes, o navio foi usado essencialmente em missões intimidatórias ao largo de Odessa, no sul da Ucrânia.

De acordo com o Naval News, o Moskva navegou em padrões, oscilando entre o porto de Sebastopol e a costa ucraniana — tendo inclusivamente participado numa operação de intimidação contra a cidade de Odessa, aproximando-se da costa juntamente com outros navios, mas recuando  no último minuto. A operação terá servido como engodo, para convencer as forças ucranianas de que um ataque a Odessa estaria iminente e para as obrigar a deslocar-se para ali, abrindo as portas a ataques noutras regiões do país.