Afinal, quem é o autor do relatório policial sobre o encontro na estação de serviço na A5 entre a Doyen e Aníbal Pinto, então advogado de Rui Pinto? Mais de um ano depois de terem sido ouvidos em tribunal, os inspetores da PJ Aida Freitas e Hugo Monteiro voltam ao julgamento de Rui Pinto já que as declarações que prestaram na altura foram contraditórias: a inspetora Aida Freitas disse que o relatório terá sido elaborado pelo inspetor José Amador, que liderou a investigação do caso Football Leaks, mas o inspetor Hugo Freitas tinha dito que foi ele próprio.
O tribunal começou por Aida Freitas, que manteve a versão de que foi o inspetor José Amador a redigir o ADE (Auto de Diligência Externa). “Mas como é que sabe?”, questionou a juíza Margarida Alves. “Porque o Hugo [Freitas] disse-me que não redigiu. Sei pelo Hugo [Freitas] e sei pelo [José] Amador que foi ele que me trouxe para assinar. O [José] Amador disse-me”.
Tal como já o tinha feito em janeiro do ano passado, inspetora Aida Freitas reafirmou, várias vezes, que não ouviu “nada” do encontro que, segundo a acusação, foi marcado para negociar quantos milhões estaria a Doyen a pagar em troca da não divulgação de documentos sobre a empresa que o alegado hacker teria em sua posse — uma das provas mais importantes e mais sólidas para acusar Aníbal Pinto e Rui Pinto do crime de tentativa de extorsão.
Fui convocada para uma reunião, mas não fui. Disse ao meu colega [José Amador] que não tinha ouvido nada da conversa. Fui chamada ao gabinete do coordenador da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime, Carlos Cabreiro, onde disse que, na reunião, ia dizer à Procuradora da República que não tinha ouvido a conversa. E fui dispensada”, explicou.
O tribunal centrou então as atenções no inspetor Hugo Freitas que esclareceu por fim a confusão: “Quando falo de elaborar o ADE é falar do conteúdo. Quem escreve pode ser qualquer um dos elementos [que participam em dada operação], mas todos esses elaboraram. O conteúdo foi relatado por mim, mas quem escreveu no computador, pode até ser um estagiário”, disse. “Então, quem escreveu, quem escreveu mesmo, foi o inspetor José Amador?”, questionou a juíza imitando o gesto de escrever num teclado de computador. E, sim, esclareceu o inspetor Hugo Freitas: foi o inspetor José Amador que o redigiu, com base nas informações transmitidas por ele.
Os dois inspetores foram os únicos inspetores a estar presentes, secretamente, no encontro, embora outros inspetores da PJ estivessem no exterior do edifício. A inspetora Aida Freitas — que acabou por ser constituída arguida por suspeitas de crime de falsidade de documento e falsas declarações — admitiu que não ouviu “nada” do que aconteceu no encontro e que assinou o relatório elaborado sobre ele sem o ler.
Rui Pinto ainda está a consultar emails roubados. Dificuldades técnicas colocam em causa declarações em tribunal a dia 13 de maio
A próxima sessão do julgamento é a 13 de maio, data prevista para que Rui Pinto fale em tribunal. O alegado hacker encontra-se a consultar, nas instalações da PJ, o apenso F — que contém os emails que Rui Pinto está acusado de ter roubado e que foram encontrados num dos discos externos apreendidos ao alegado hacker na Hungria. No entanto, há “um atraso muito grande “, segundo explicou o advogado Francisco Teixeira da Mota esta sexta-feira. “Regista-se um atraso muito grande na PJ, na capacidade de indexação. Temo que o período previsto não se vá cumprir. Não é por falta de vontade do arguido, mas por dificuldades técnicas”, explicou.
O apenso F foi a razão de uma interrupção do julgamento, retomado a 8 de abril, que durou nove meses, nomeadamente o facto de o arguido ter pedido uma cópia deste apenso para o analisar. Dadas as divergências do tribunal, Ministério Público e advogados quanto a este pedido de Rui Pinto, a decisão ficou nas mãos da Relação de Lisboa. Este tribunal superior veio então decidir em dezembro do ano passado que “em caso algum” seriam “entregues as duas pen drives que constituem o apenso F ao arguido“, escreveram os juízes desembargadores na altura. No entanto, a Relação aceitou que Rui Pinto tivesse acesso ao apenso F, mas nas instalações da PJ, sob a supervisão da mesma — processo que está agora em andamento e razão pela qual Rui Pinto não fala mais cedo.
Além da sessão de 13 de maio, o tribunal marcou ainda sessões para os dias 16, 23 e 26 de maio — não só para as declarações do arguido, mas para as alegações finais. Isto significa que o julgamento do caso Football Leaks pode terminar ainda antes de junho.
Rui Pinto já está a consultar emails roubados — em horários secretos e sob supervisão da PJ
Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à Procuradoria-Geral da República. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal Amadeu Guerra e o advogado José Miguel Júdice. Estão, assim, em causa 68 crimes de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.
O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril de 2020, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas —, decidiu colocá-lo em liberdade.