“É uma sexta-feira 13”. O reparo que se ouve, em jeito de brincadeira, chega do fundo da sala de audiências, de um dos advogados sentado na segunda fila de bancadas. De facto, sim. Dia 13 de maio calha a uma sexta-feira e é nesse dia que Rui Pinto vai começar a prestar declarações em tribunal. Apesar de ter feito uma breve declaração no primeiro dia do julgamento — há mais de um ano e meio — o alegado hacker nunca respondeu às perguntas do Ministério Público, dos juízes e dos advogados que representam as vítimas.

Com a agenda aberta, determinada a marcar datas para as sessões e a acabar com o julgamento antes de junho, a juíza Margarida Alves quis saber quanto tempo Rui Pinto demoraria a falar. “É pouco provável que as declarações dele se esgotem num dia só”, avisou o advogado Francisco Teixeira da Mota, lembrando que essa previsão depende também das perguntas que a procuradora Marta Viegas e os vários advogados quiserem fazer.

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Antes de 13 de maio, há ainda uma sessão. No dia 22 de abril, está marcada a acareação dos inspetores da PJ Aida Freitas e Hugo Monteiro — um procedimento que visa pôr em confronto testemunhas cujos depoimentos foram contraditórios — e uma nova tentativa de contactar duas testemunhas que faltam. Esta sexta-feira, o tribunal marcou ainda sessões para os dias 16, 23, 26 de maio — não só para as declarações do arguido, mas para as alegações finais. Isto significa que o julgamento do caso Football Leaks pode terminar ainda antes de junho.

Tribunal não conseguiu contactar testemunhas agendadas para esta sexta-feira: “O Arif [Efendi] não está online”

Na última sessão do julgamento do caso Football Leaks, a 30 de junho de 2021, previa-se que as sessões fossem retomadas em setembro. Mas isso não aconteceu em setembro nem outubro nem nos cinco meses seguintes. Só esta sexta-feira, nove meses depois, o julgamento de Rui Pinto foi retomado (ainda que por meia hora) para ouvir tentar ouvir duas testemunhas, por videochamada: Arif Efendi, um dos descendentes da família cazaco-turca que alegadamente controlava a Doyen, e Salih Berberoglu, também ligado a este fundo de investimento.

Os contactos que o tribunal fez para assegurar a presença estas duas testemunhas foram infrutíferos. “Vamos ver se temos sucesso“, começou exatamente por dizer a presidente do coletivo, Margarida Alves ao abrir a audiência desta sexta-feira, pouco depois das 10h00. A defesa de Rui Pinto sugeriu que, caso não se consiga contactar as duas testemunhas, o oficial de justiça continuasse a tentar convocá-las para a próxima sessão, a 22 de abril. “Tínhamos esse receio e essa consciência. Se no dia 22 de abril não for possível [ouvir as testemunhas] terei de prescindir“, disse o advogado Francisco Teixeira da Mota. Sem sucesso: o oficial de justiça fez a chamada de vídeo para Salih Berberoglu, mas ninguém atendeu do outro lado. “O Arif [Efendi] não está online”, rematou o funcionário.

Julgamento esteve parado nove meses. Rui Pinto está agora a consultar emails roubados e só falar depois de terminar

O apenso F — que contém os emails que Rui Pinto está acusado de ter roubado e que foram encontrados num dos discos externos apreendidos ao alegado hacker na Hungria — é a razão da interrupção do julgamento, nomeadamente o facto de o arguido ter pedido uma cópia deste apenso para o analisar. Dadas as divergências do tribunal, Ministério Público e advogados quanto a este pedido de Rui Pinto, a decisão ficou nas mãos da Relação de Lisboa. Este tribunal superior veio então decidir em dezembro do ano passado que “em caso algum” seriam “entregues as duas pen drives que constituem o apenso F ao arguido“, escreveram os juízes desembargadores na altura. No entanto, a Relação aceitou que Rui Pinto tivesse acesso ao apenso F, mas nas instalações da PJ, sob a supervisão da mesma — processo que está agora em andamento e razão pela qual Rui Pinto não fala mais cedo.

Rui Pinto já está a consultar emails roubados — em horários secretos e sob supervisão da PJ

Rui Pinto, o principal arguido, responde por 90 crimes — todos relacionados com o facto de ter acedido aos sistemas informáticos e caixas de emails de pessoas ligadas ao Sporting, à Doyen, à sociedade de advogados PLMJ, à Federação Portuguesa de Futebol, à Ordem dos Advogados e à Procuradoria-Geral da República. Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal Amadeu Guerra e o advogado José Miguel Júdice. Estão, assim, em causa 68 crimes de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, o seu advogado à data dos alegados crimes, responde pelo crime de tentativa de extorsão porque terá servido de intermediário de Rui Pinto na suposta tentativa de extorsão à Doyen. E é por isso que se sentam os dois, lado a lado, em frente ao coletivo de juízes.

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O alegado pirata informático esteve em prisão preventiva desde 22 de março de 2019 e foi colocado em prisão domiciliária a 8 de abril de 2020, numa casa disponibilizada pela PJ. Na sequência de um requerimento apresentado pela defesa do arguido, a juíza Margarida Alves, presidente do coletivo de juízes — que está a julgar Rui Pinto e que tem como adjuntos os juízes Ana Paula Conceição e Pedro Lucas —, decidiu colocá-lo em liberdade.