A ideia era tentar um consenso, mas nada feito. Os deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros trabalharam juntos num voto de condenação da Rússia e do “massacre de civis” em Bucha, mas, apesar de o PCP ter insistido que queria fazer parte do trabalho de grupo e assinar o texto final, não houve mesmo acordo possível — e os comunistas acabaram a apresentar sozinhos um voto alternativo, que ficou chumbado.

O texto subscrito por todos os grupos parlamentares e deputados únicos menos os comunistas — que votaram contra — intitula-se voto “de condenação pela invasão da Ucrânia e pelo massacre de civis e
apoio à iniciativa do Secretário-Geral da ONU para que se faça uma investigação independente para apurar responsabilidades sobre crimes de guerra”.

No corpo do texto, declara-se que a Assembleia da República “condena e repudia veementemente” tanto a agressão da Rússia e a invasão da Ucrânia como os massacres de civis ocorridos em “Bucha, Irpin e outras localidades nos arredores de Kiev”, assim como outros que tenham ocorrido e “venham a ser descobertos”.

O mesmo texto garante “total solidariedade” para com o povo ucraniano e o apoio da AR à iniciativa de António Guterres para abrir uma investigação independente a esses crimes, assim como um pedido para que sejam apuradas responsabilidades, “particularmente pelo Tribunal Penal Internacional, para que os responsáveis pelos crimes possam ser julgados”. Como remate, um apelo à “adoção de iniciativas que contribuam para o cessar-fogo e para uma solução negociada do conflito”.

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Ora o PCP só estaria de acordo com referências a paz — presume-se que neste trecho final do documento — mas não houve acordo possível quanto ao resto do voto. Fontes de vários partidos notaram ao Observador que o grupo de trabalho que ia tentar chegar a acordo não chegou a reunir-se presencialmente e que os comunistas não responderam ao email que o socialista Paulo Pisco enviou com a proposta de texto final. Na reunião, acabaram mesmo por voltar a apresentar o seu voto original.

PCP quer entrar em consenso sobre votos de condenação à Rússia. Sousa Pinto avisa que será difícil

Esse texto é, no entanto, bem diferente do que acabou por ser aprovado pelos restantes partidos. Os comunistas defendem que se ponha fim à guerra, mas à que “tem lugar na Ucrânia há oito anos” (incluindo os confrontos na região do Donbass desde 2014), e pedem uma “solução negociada” que ponha fim às “sanções” que também Portugal tem defendido contra a Rússia.

Sobre Bucha, a versão dos factos é muito diferente: em vez de atribuir um “massacre de civis” às forças russas, os comunistas referem as “notícias difundidas a partir dos centros do poder ucraniano e ampliadas pela máquina de propaganda que tem rodeado a guerra na Ucrânia”, assim como “as alegações russas de que se tratou de uma operação de manipulação desencadeada por forças ucranianas”, defendendo que estas “informações contraditórias e inquietantes” exigem um “cabal apuramento”.

Sobretudo, prossegue o PCP, tendo em conta “exemplos comprovados de situações anteriores apresentadas como verdadeiras e que posteriormente se confirmou serem falsas e baseadas em operações de manipulação“, dando o exemplo do falso pretexto da existência de armas de destruição maciça no Iraque. Esses pretextos, diz o partido no mesmo texto, faziam parte de uma “linha de provocação para justificar junto da opinião pública estratégias de agressão e ingerência”.

O voto acabou chumbado. Foi o próprio PCP que insistiu em tentar o tal consenso que não existiu, sendo que já na semana passada o presidente da comissão, o socialista Sérgio Sousa Pinto, já tinha notado que o acordo seria muito difícil, dizendo não ver “conciliação possível” e registando que “nunca tinha acontecido uma situação destas”. Mas, na altura, a líder parlamentar comunista, Paula Santos, insistiu que “por vezes é possível” chegar a acordo. Neste caso não foi.

NATO também gera discórdia

Outra tentativa de consenso que causou discórdia à mesma hora, na Comissão de Defesa, foi o texto que a Iniciativa Liberal fez questão de levar a votos de congratulação pelo 73º aniversário da NATO.

No documento, havia referências como o papel “extraordinariamente importante” da Aliança Atlântica na garantia da integridade territorial e da soberania nacional dos seus membros, assim como a descrição da NATO como “principal mecanismo dissuasor da tragédia da guerra”, rematando assim: “”A continuação e o aprofundamento da NATO são as maiores garantias para as democracias-liberais europeias de que continuarão protegidas do imperialismo de potências autocráticas que as ameaçam”.

PSD, PS e Chega ainda concordaram que o texto poderia ser um voto conjunto. Mais uma vez, nada feito: como era previsível, tanto PCP como Bloco de Esquerda votaram contra.

A reunião da comissão de Negócios Estrangeiros, nesta terça-feira, ficou também marcada pelo pedido do PCP de adiamento do projeto de resolução que o Livre tinha apresentado — um projeto que declarava Vladimir Putin como “responsável por crimes de guerra” e instava as autoridades portuguesas “a participarem do esforço internacional de investigação, acusação, condenação e punição de todos os crimes de guerra na Ucrânia”.

Texto corrigido às 17h30 para esclarecer que a votação do texto relativo à NATO aconteceu na Comissão de Defesa.