O governo de Israel vai chamar de urgência o embaixador russo no país depois de o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, ter aberto uma crise diplomática ao desconsiderar a herança judaica de Volodymyr Zelensky dizendo que Hitler também tinha sangue judeu.

“É uma declaração imperdoável e escandalosa, um erro histórico terrível, e esperamos um pedido de desculpas”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Yair Lapid, ao YNet, citado pela Reuters. O ministro acrescentou que o embaixador russo seria chamado para uma “dura conversa“.

A polémica teve origem numa entrevista de Sergey Lavrov ao programa “Zona bianca”, do canal televisivo Rete 4. Na entrevista, o ministro foi questionado sobre as intenções russas de “desnazificar” a Ucrânia e desconsiderou até o facto de o Presidente ucraniano ser judeu e ter perdido parte da sua família no Holocausto.

E se Zelensky é judeu? Isso não nega a presença de elementos nazis na Ucrânia“, afirmou Sergey Lavrov. “Quando dizem ‘que tipo de nazificação é esta se somos judeus’, bom, penso que Hitler também tinha origens judaicas, por isso não significa nada.”

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A suposta “desnazificação” da Ucrânia é um dos principais argumentos de Moscovo para a guerra lançada contra o regime de Kiev. A Rússia considera que a Ucrânia é um país governado por nazis e neonazis que estão a destruir a herança russa naquela região e a cometer genocídio contra a população russófona do leste do país.

A retórica anti-nazi serve, contudo, um propósito interno: a Rússia ainda carrega o trauma da guerra contra os nazis na Segunda Guerra Mundial — ou a Grande Guerra Patriótica, como é chamada na Rússia (e, antes, na União Soviética) a frente de guerra no leste europeu.

De facto, o desprezo pelos nazis é um dos grandes elementos que cimentam a identidade russa. O dia 9 de maio é um dos principais feriados nacionais da Rússia: celebrado como o Dia da Vitória, assinala o dia em que as tropas soviéticas derrotaram os nazis em 1945. Por isso, o dia 9 de maio tem inclusivamente sido apontado como a meta de Vladimir Putin para a guerra na Ucrânia, repetindo em 2022 o grande feito heróico do fim da Grande Guerra.

As declarações de Sergey Lavrov foram recebidas com perplexidade em Israel, sobretudo tendo em conta que o ministro russo devolveu precisamente aos judeus as culpas pelo antissemitismo. “Há muito tempo que temos ouvido os judeus mais sábios dizer que os maiores antissemitas são os próprios judeus“, disse.

Para o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, a afirmação é uma provocação. “Os judeus não se assassinaram a si próprios no Holocausto”, afirmou Lapid. “O nível mais baixo de racismo contra os judeus é culpar os próprios judeus pelo antissemitismo.”

Também o Yad Vashem, o centro oficial de memória do Holocausto em Israel, divulgou um comunicado de condenação das palavras de Lavrov.

“Lavrov está a propagar a inversão do Holocausto, transformando as vítimas nos criminosos com base na promoção de uma alegação completamente infundada de que Hitler tinha ascendência judaica”, lê-se na nota, que classifica as declarações de Lavrov como “absurdas, delirantes, perigosas e merecedoras de condenação“.