Se a um cabaz de produtos essenciais juntarmos a inflação mais alta dos últimos 30 anos, o resultado é expectável. O aumento dos preços está aí e veio para ficar, pelo menos durante os próximos meses. Dos ovos ao leite, passando pela farinha ou pela massa, a fatura do supermercado subiu entre abril e maio, como o Observador comprovou numa análise à evolução do preço de 18 bens essenciais.

Dos ovos à farinha. Entre abril e maio, (quase) tudo a inflação aumentou

Houve, no entanto, uma exceção a assinalar. Depois dos aumentos galopantes dos últimos meses, o preço do óleo alimentar baixou de forma generalizada nos três supermercados consultados. Se a 1 de abril era impossível ir às compras e encontrar uma garrafa de um litro de óleo Fula a menos de 3,99 euros, um mês depois, a 2 de maio, a descida dos preços foi notória. Oscilou entre uma queda de 5% e 25%, o que coloca o custo atual do óleo entre os 2,99 euros e os 3,79 euros. Como se explica esta quebra?

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Em primeiro lugar, é necessário perceber o contexto. O óleo alimentar tem como base principal o óleo de girassol, cujo principal produtor, responsável por 55% das exportações mundiais, é a Ucrânia. Juntamente com a Rússia, abastecem 80% das necessidades globais. Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia que essa torneira está fechada, o que fez disparar o preço da matéria-prima e, consequentemente, do produto final. Mas a crise do setor não começou a 24 de fevereiro. A pandemia e a seca já tinham motivado, no ano passado, um primeiro aumento dos preços do óleo alimentar.

Mas foi mesmo a guerra que levou o setor a procurar alternativas às sementes de girassol. E será esse um dos motivos que ajuda a explicar a descida dos preços. Tal como explicou o diretor de planeamento da Unilever e presidente da Associação Nacional dos Industriais de Gelados Alimentares, Óleos, Margarinas e Derivados (ANIGOM), Miguel Mira, ao Observador, os produtores foram obrigados a procurar alternativas ao óleo de girassol. Encontraram-nas na América do Sul e do Norte, sob a forma de óleo de soja e de colza.

Da lata de atum ao pacote de batatas fritas. Como a guerra já está a mudar o que comemos

“Uma das razões que encontro para a redução dos preços é o resultado dos esforços feitos pela indústria no sentido de substituir o óleo de girassol por óleo de soja e colza. Estamos agora a beneficiar da colheita da América do Sul, que, apesar de ter tido uma quebra de 15% por causa da seca, não deixa de se constituir como uma alternativa viável ao girassol. Esse movimento de substituição já está a existir e isso pode ter efeito nos preços”, explica Miguel Mira.

Além deste fator, o responsável identifica outro: “é o mercado a funcionar”. Ou seja, “nestas situações de eventual carência em que deixa de existir equilíbrio entre procura e oferta, e para evitar açambarcamentos, o mercado aumenta os preços. São questões comportamentais. Pode estar a haver uma correção agora”, refere o dirigente da ANIGOM.

Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre o preço do óleo e de outros produtos alimentares.

Afinal a guerra não nos vai tirar o óleo para fritar as batatas

A visão é corroborada por fonte oficial da Sovena, que produz o óleo Fula. “No início da guerra na Ucrânia, houve uma interrupção total das cadeias de abastecimento de óleo de girassol (muito suportadas na Ucrânia) e uma subida abrupta do custo da matéria-prima nas origens alternativas (Argentina, Roménia, Bulgária). Esta situação resultou numa subida de preços ao consumidor, limitações ao número de unidades de venda por ato de compra e limitação temporária de promoções”, refere em resposta ao Observador.

“Com o passar das semanas”, acrescenta a mesma fonte, “o mercado foi encontrando alternativas de abastecimento, quer a nível de origem do girassol como de outro tipo de óleos, o que permitiu começar a ‘esvaziar’ parte da subida inicial do custo do óleo de girassol”. Adicionalmente, “uma vez que o risco de desabastecimento se foi diluindo, começou um caminho de reajuste de preços de venda em baixa (ainda que significativamente mais caros que no período prévio ao conflito) e de normalização da atividade comercial, sem limitações na compra e retomando as promoções que estiveram ausentes nas duas primeiras semanas pós-conflito”, conclui a empresa.

Palma da Indonésia aumenta incerteza

O Índice de Preços no Consumidor (IPC) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) só permite ainda verificar a variação dos preços até março. Entre janeiro e o terceiro mês do ano, os óleos e gorduras registaram uma variação de 18,3%. Entre fevereiro e março o avanço foi de 14,3%.

Nos mercados internacionais, o preço do óleo de girassol atingiu um pico a 16 abril, quando chegou aos 2200 euros por tonelada métrica. Desde então, tem descido ligeiramente, estando esta quarta-feira a negociar nos 1980 euros por tonelada. A 1 de janeiro, lembra Miguel Mira, o preço rondava os 1400 euros.

Além da soja e da colza, o mercado internacional também viu no óleo de palma uma alternativa viável ao girassol, nomeadamente a indústria ligada à produção de bens como batatas fritas, aperitivos, refeições congeladas ou barras de cereais. Mas também aqui sofreu um duro golpe. Na semana passada, a Indonésia, maior produtora mundial de óleo de palma, acentuou a medida protecionista que já tinha em vigor. Em vez de limitar as vendas de óleo de palma ao exterior a 70% da produção, suspendeu completamente as exportações, para dar prioridade ao mercado interno. O que poderá contribuir para aquecer ainda mais um mercado que já ferve.

Indonésia suspende exportação de óleo de palma por alta de preços

Uma análise do International Food Policy Research Institute refere, no entanto, que as restrições impostas pela Indonésia poderão ser apenas temporárias, porque o país tem uma capacidade de armazenamento limitada.