Na manhã desta quarta-feira, ainda continuavam a ser retirados civis da fábrica de Azovstal, o último reduto controlado pelo exército ucraniano na cidade ocupada de Mariupol. Depois de 101 pessoas terem chegado a Zaporíjia ao longo dos últimos dias, vários autocarros com mais civis partiam da cidade que se tornou um símbolo da guerra na Ucrânia — embora as autoridades ucranianas, a ONU e a Cruz Vermelha nunca tenham confirmado se estes civis estavam dentro da Azovstal ou noutra zona da cidade.
Estavam previstas mais três tentativas para retirar civis do complexo siderúrgico ao longo do dia, mas nunca chegaram a ocorrer. A meio da tarde, o autarca de Mariupol, Vadym Boichenko, anunciou na televisão ucraniana que os ataques intensos à Azovstal continuavam, semelhantes aos que se registaram no dia anterior e que, segundo o batalhão Azov, provocaram a morte a dois civis.
Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre o resgate de civis.
Boichenko avançou ainda com outro dado: que o governo ucraniano havia perdido o contacto com os seus soldados dentro da Azovstal. Para além disso, permaneciam ainda civis dentro do complexo, embora ninguém pareça conseguir saber ao certo exatamente quantos — há alguns dias, Boichenko falava em quase mil, no sábado apontou para 200. Tendo em conta que pelo menos 101 saíram, podem ainda estar cerca de 100 civis dentro da fábrica.
Rússia quer celebrar Dia da Vitória em Mariupol?
Os bombardeamentos russos com artilharia pesada à fábrica continuaram ao longo do dia, de acordo com as autoridades ucranianas — e não só. Um vídeo divulgado por uma conta oficial da auto-proclamada república de Donetsk publicou um vídeo de um bombardeamento à fábrica que, segundo o investigador especialista em Defesa Rob Lee, pode ter sido feito com recurso a bombas termobáricas. Oficialmente, o Kremlin — que há algumas semanas garantia que não ia atacar a fábrica — disse apenas pela voz do seu ministro da Defesa, Sergei Shoigu, que o objetivo da “operação militar especial” em Mariupol é o de “restaurar a paz” na cidade. Acusou ainda os soldados ucranianos de estarem a impedir a saída dos civis da fábrica. Em concreto, os dois lados pareciam estar de acordo num ponto: a Azovstal estava a ser atacada.
De Kiev, saíam informações que podem ilustrar a importância que a tomada de Mariupol está a assumir para Moscovo. Os serviços de informação militares da Ucrânia emitiram um comunicado onde acusaram a Rússia de estar a planear uma parada militar para se realizar em Mariupol no dia 9 de Maio, dia em que a Rússia assinala a vitória da União Soviética sobre a Alemanha Nazi (Dia da Vitória).
Os serviços ucranianos dizem que Sergei Kiriyenko, vice-chefe de administração presidencial russa, já terá chegado a Mariupol para supervisionar os trabalhos. Segundo Kiev, Kiriyenko assumiu recentemente a pasta de representante do Kremlin para as regiões ocupadas pela Rússia na Ucrânia. “Mariupol vai tornar-se um centro de ‘celebração’ [no dia 9]”, garantem os militares ucranianos. “As ruais centrais da cidade estão rapidamente a serem limpas e a serem retirados destroços, corpos e munições não detonadas”, pode ler-se no comunicado.
“O reduto de Azovstal ainda está de pé”, diz Kiev
Ao cair da noite, novas notícias de Mariupol: as tropas russas entraram em propriedade pertencente ao complexo industrial. A informação foi confirmada primeiro pelo deputado ucraniano David Arakhamia e depois pelo próprio exército ucraniano, segundo informação divulgada no canal oficial de Telegram das autoridades do país.
Kiev acrescentou que, apesar desta informação, o governo ucraniano continuava “em constante comunicação com os defensores da cidade”. Algumas horas antes, o presidente da Câmara de Mariupol disse ter perdido o contacto com os soldados ucranianos. Horas depois, porém, disse ter conseguido voltar a entrar em contacto.
A situação continuava, contudo, tensa. A ofensiva russa parecia não dar tréguas e Anton Gerashchenko, conselheiro do ministério da Administração Interna ucraniano, avançou mesmo uma possível explicação para isso. No Twitter, escreveu que “um trabalhador da Azovstal traiu a Ucrânia e falou aos russos sobre os túneis subterrâneos que dão acesso à fábrica”, o que estaria a ajudar as forças russas na tentativa de tomar o complexo industrial.
Até que, já por volta das 22h (hora local, 20h em Lisboa), o exército ucraniano fez novo comunicado: “Com o apoio de força aérea, o inimigo russo retomou a ofensiva para assumir o controlo da fábrica. Não foi bem sucedido”, disse o conselheiro Alexader Stupun em vídeo. Logo de seguida, o ministro dos Negócios Estrangeiros Dmytro Kuleba corroborava o relato, dando em entender que os soldados ucranianos tinham sido bem sucedidos em repelir a tentativa de ataque:
Apesar de todas as declarações de representantes russos de que Mariupol está sob o seu controlo total, isso não é verdade. O reduto da Azovstal — o último reduto da resistência ucraniana em Mariupol — ainda está de pé”, acrescentou Kuleba.
Moscovo promete cessar-fogo e corredores humanitários para retirar civis
Quase de seguida, novidades. Primeiro, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fez um apelo direto ao secretário-geral da ONU, António Guterres, para que ajude a concluir a evacuação da Azovstal. “As vidas das pessoas que lá estão continuam em perigo”, disse. “Pedimos-lhe ajuda para os salvar”.
Pouco depois, reação de Moscovo, que anuncia um cessar-fogo na Azovstal. “A 5, 6 e 6 de maio de 2022, das 8h às 18h (hora de Moscovo), de acordo com a decisão da liderança da Federação Russa, que se baseia em princípios humanos, as Forças Armas Russas vão abrir um corredor humanitário no fábrica metalúrgica Azovstal para retirar civis (trabalhadores, mulheres e crianças)”, anunciou o ministério da Defesa russo.
Em concreto, foi garantido pelas autoridades russas que quer os seus soldados, quer as unidades militares da autoproclamada república independente de Donetsk, não levarão a cabo hostilidades durante esse período: “As unidades militares retirar-se-ão para uma distância segura e vão garantir a retirada de civis para qualquer direção que eles escolham, seja para o território da Federação Russa, seja para as áreas controladas pelas autoridades de Kiev”.