A inspeção fiscal da Autoridade Tributária (AT) ao negócio da venda de barragens da EDP para apurar se é devido o pagamento de impostos foi suspensa por causa do investigação criminal. E só será retomada depois do desfecho deste inquérito com arquivamento ou sentença transitada em julgado.

Esta informação foi transmitida pela diretora-geral de Impostos numa reunião com a Câmara Municipal de Miranda do Douro no final do ano passado. De acordo com o vereador Vítor Bernardo, nessa reunião Helena Borges informou que a averiguação que estava a ser feita, de âmbito tributário, pela unidade de grandes contribuintes tinha sido suspensa. À Autoridade Tributária foi, ainda assim, delegada pelo Ministério Público a competência de investigação criminal neste inquérito.

Leão diz que Fisco já está a recolher elementos para uma eventual cobrança de imposto à EDP

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A inspeção fiscal foi anunciada há cerca de um ano na sequência das dúvidas suscitadas sobre a obrigação de pagamento de impostos associada ao negócio de 2,2 mil milhões de euros que transferiu seis barragens no rio Douro da EDP para a Engie. Segundo o Movimento Terras de Miranda, municípios da região e partidos da oposição — Bloco de Esquerda e PSD em particular — a operação deveria ter gerado o pagamento de 110 milhões de euros só em imposto de selo.

Fonte oficial da Autoridade Tributária reconhece que o Ministério Público divulgou já a existência de uma investigação criminal da AT neste domínio, sob direção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal do Ministério Público, no qual se investigam factos relacionados com o negócio da transmissão de seis barragens do grupo EDP para o consórcio francês integrado pela Engie, Crédit Agricole Assurances e Mirova (Grupo Natixis).

Sem se referir ao caso concreto, por causa do sigilo fiscal, a AT esclarece ao Observador quais as regras em abstrato a aplicar. “Uma investigação criminal e uma inspeção tributária podem versar sobre os mesmos factos, mas têm uma natureza jurídica diferente, correspondem a procedimentos distintos e, no seu âmbito, a Autoridade Tributária recorre a poderes de autoridade distintos. Por este motivo, existindo eventuais indícios da prática de crime, em regra, a investigação criminal no âmbito do inquérito crime toma precedência, aguardando o procedimento administrativo (a inspeção tributária) as conclusões a nível criminal”.

Fonte da Autoridade Tributária fundamenta esta posição com os artigos 45 (nº5) da Lei Geral Tributária e 35 (nº5)  do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, segundo os quais, “em caso de instauração de inquérito crime, suspende-se o prazo para o procedimento administrativo de inspeção e o prazo para a Autoridade Tributária efetuar uma eventual liquidação de impostos é alargado até um ano após o arquivamento ou trânsito em julgado da sentença em matéria criminal.”

Para Vítor Bernardo, a AT deveria prosseguir com averiguação interna dos serviços até porque se verificasse que não havia lugar a tributo então não haveria crime. O inquérito aberto pelo DCIAP investiga suspeitas de fraude fiscal neste negócio.

Porque está a ser investigado o negócio de 2,2 mil milhões da EDP? 6 respostas

Na origem das suspeitas está a forma como a operação de venda das barragens foi montada, recorrendo a uma sucessão de atos societários (destaque por cisão, transferência e fusão) realizados com o recurso a sociedades instrumentais criadas para o efeito, em vez de uma venda ou trespasse dos ativos entre o vendedor e o comprador. A EDP qualificou de normal este modelo nestes negócios, porque assegura a continuidade dos contratos relacionados com os ativos apesar da mudança de propriedade. Mas também configura a operação como uma reestruturação empresarial que fica isenta do pagamento de imposto de selo por regras comunitárias.

A polémica estalou no ano passado na sequência de denúncia do movimento local Terras de Miranda e ganhou força no Parlamento onde PSD e Bloco de Esquerda pediram documentos e chamaram para audições o presidente da EDP, Miguel Stilwell de Andrade, os ministros do Ambiente e Finanças, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a diretora-geral de Impostos (chamada pelo PS) e o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a agência do Estado que autorizou a transferência do domínio hídrico público (a concessão das barragens).

O Governo argumentou que a autorização da agência ambiental não tinha competências para avaliar implicações fiscais do negócio que só poderiam ser apuradas depois da operação ter sido realizada e no quadro da avaliação das obrigações fiscais da EDP. Os críticos invocaram avisos do Movimento Terras de Miranda ao então ministro do Ambiente, Matos Fernandes, sobre as implicações fiscais da operação antes da mesma ter sido concretizada e que terão sido ignoradas.

Um negócio milionário montado para escapar aos impostos? A venda das barragens da EDP em 9 questões

Há um ano, o então ministro João Leão confirmou que a Autoridade Tributária tinha aberto uma inspeção à EDP para averiguar se haveria lugar à liquidação de impostos devidos e à ativação da cláusula contra o planeamento fiscal agressivo que prevê um agravamento de até 15% do imposto a cobrar. Em julho foram realizadas buscas nas entidades visadas e recolhidos vários elementos. Mas desde então não houve mais desenvolvimentos públicos da investigação criminal que foi delegada nos inspetores tributários, mas que continua a ser comandada pelo DCIAP.

A Câmara de Miranda do Douro pediu entretanto à Autoridade Tributária a liquidação de impostos relacionados com a operação como o IMI e o IMT, para além de reclamar 7,5% da receita de IVA gerada pela produção elétrica das barragens que ficam no seu concelho. Mas ainda sem resultados em termos de receita. O Orçamento do Estado para 2021 (ainda em vigor) prevê a criação de um fundo com as receitas fiscais do Estado e das autarquias resultantes da transferência das barragens que seria usado em benefício dos 10 concelhos abrangidos. As obrigações deste artigo, aprovado por uma coligação negativa entre a esquerda e a direita contra o PS, ainda não foram cumpridas, defende a autarquia.