Em Xangai, na China, as autoridades obrigaram os residentes a cumprir um confinamento que os impede de colocar um pé que seja fora de casa. Paula, nome fictício de uma portuguesa que vive em Xangai e cujo o rigoroso recolhimento tem sido acompanhado pelo Observador, está há 38 dias fechada em casa. “O tempo parou” desde que foi imposta a política Covid-19 Zero na maior cidade chinesa. A estudante só vai além da porta do apartamento “para ir ao lixo”, assumindo que “isto agora é um estilo de vida”.

Sem filas de trânsito, o caos nos supermercados e (muitos) testes à Covid-19. O primeiro dia do maior confinamento em Xangai em imagens

Além das dificuldades no acesso a bens essenciais, Paula queixa-se igualmente da falta de apoio da representação diplomática portuguesa. Já da primeira vez que falou com o Observador, a 21 de abril, explicou que até à data a comunidade lusa em Xangai “não recebera qualquer tipo de apoio” por parte do consulado. Cerca de duas semanas depois, revela na nova entrevista ao Observador, que continua sem qualquer contacto das autoridades portuguesas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Portuguesa em Xangai: “Se quiser comprar pão ou um chocolate não é possível. Para conseguir água foi uma luta”

“Eles [autoridades portuguesas] foram bem claros quando disseram que não nos iam ajudar”, atira Paula. O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em resposta ao Observador em abril contrariou essa afirmação: “O Consulado-geral em Xangai tem acompanhado de perto a situação dos cidadãos portugueses residentes, tentando mitigar as dificuldades de acesso a bens essenciais por via de aconselhamento sobre os melhores procedimentos a seguir e através de contactos com os comités de bairro em que residem, sempre que se revele necessário”. Esta sexta-feira, o MNE acrescentou que os portugueses podem sempre contactar os serviços consulares em caso de necessidade (+351 217 929 714|+351 961 706 472).

Contudo, o descontentamento de Paula mantém-se: “A nível prático, o que é que isso quer dizer?”. Sente-se sozinha na grande metrópole de quase 26 milhões de habitantes. Sabe que das autoridades chinesas não terá qualquer resposta: “Não há nenhuma entidade à qual eu possa ligar e confrontar. Não há ninguém que nos apoie“.

A frustração não se cinge à estudante que vive em Xangai há quatro anos, visto que os protestos dos habitantes e a censura “intensificaram-se”. Mas vamos por partes.

Primeiro, os testes à Covid-19 são feitos dia sim, dia não e o pessoal de saúde vai à porta do apartamento dos cidadãos, como já tinha detalhado Paula. O seu colega de casa, só assim identificado, “revoltado” com a medida, decidiu negar realizar a respetiva testagem — e a portuguesa compreende a sua tomada de posição: “O facto de fazermos um teste todos [moradores do condomínio] juntos lá em baixo aumenta o risco de infeção e ele não se quer submeter a tal coisa. Além disso, é ridículo estarmos a fazer testes tão frequentemente“.

“Presos” em Xangai. Covid-19 retém milhões em casa. Falta comida e medicamentos

Os responsáveis “ficaram extremamente irritados” com esta recusa e chegaram mesmo a ir ao apartamento, ficando a bater à porta do quarto do colega “durante 5 minutos” — o companheiro não abriu a porta.

O comité que organiza as sessões de testagem decidiu, apesar de lhe ter aconselhado fazer o teste, não insistir e não tomar nenhuma medida agressiva”, refere Paula, complementando que o colega não é caso único no condomínio.

Não há casos positivos há mais de 14 dias no condomínio onde vive, “qual é a necessidade [de continuar com os testes]?”, questiona.

Profissionais de saúde responsáveis pela testagem em massa da população de Xangai

As manifestações ganharam várias formas, muitas delas online, mas a insatisfação com o governo começou com gritos às janelas. Agora, a censura está pior, menciona Paula, exemplificando que leu nas redes sociais uma peça intitulada Os estrangeiros estão a ir embora porquê? , na qual se explicava os problemas com os vistos e as dificuldades em sair do país. “Nem era um ataque direto ao governo, mas esse artigo desapareceu em minutos“. Paula não resiste à ironia ao explicar que os órgãos de comunicação social estão “regulados”.

Proibidos de sair de casa, moradores de Xangai protestam à janela contra confinamento

Apesar da visível revolta, o Presidente chinês, Xi Jinping, defendeu que as duras medidas antiepidémicas impostas em Xangai “vão resistir ao teste do tempo”, noticia o The Guardian.

No meio da tempestade, há (ainda assim) coisas boas. O primeiro dia de maio foi “bom”, porque receberam o cabaz com itens de mercearia do governo chinês, o qual continha lenços, maçãs, espinafres, pimentos, carne, entre outros produtos “que são sempre uma grande ajuda”. Tudo “gratuito”. As refeições que faz a partir destes alimentos são “simples, sem grandes extravagâncias”, como sopa.

3 fotos

Paula continua sem uma ideia ou data para o dia da libertação. As previsões oficias para o fim do confinamento nunca se concretizaram. “O vírus é o menor dos problemas, isto trata-se muito mais de uma situação humanitária, de violação de direitos humanos, de uma censura absurda dos media“, finaliza.