Um amigo póstumo de Fernando Pessoa. Foi assim que a editora Lúcia Pinho e Melo, parafraseando o escritor Benjamin Moser, escolheu descrever Richard Zenith na apresentação à imprensa desta quinta-feira de Pessoa. Uma Biografia. O volume, que foi lançado nos Estados Unidos da América no ano passado, tendo sido finalista dos prémios Pulitzer deste ano, sairá este mês em Portugal, com chancela da Quetzal. O lançamento acontece na próxima semana, no dia 19 de maio, na Fundação Calouste Gulbenkian.
A biografia, a mais completa até agora publicada sobre Pessoa, é o culminar de mais de dez anos de trabalho de investigação e “a súmula de todos os anos de estudo” que Zenith dedicou ao poeta português, que originaram “várias edições quer em Portugal quer no estrangeiro”, salientou a editora da Bertrand, caracterizando Pessoa. Uma Biografia como “um livro que muda a nossa maneira muitas vezes superficial de ver Fernando Pessoa”.
O volume surgiu na sequência do longo trabalho de investigação de Zenith sobre Fernando Pessoa, iniciado pouco depois da sua chegada a Portugal, no final dos anos 80. Durante a apresentação, o autor recordou o primeiro contacto com a obra pessoana: “Não foi por causa de Pessoa que cheguei [a Portugal], tinha pedido uma bolsa para traduzir as cantigas medievais. Já conhecia a poesia de Pessoa. Aprendi português do Brasil durante três anos. Tenho ainda algumas edições de Pessoa que comprei no Brasil. Mas foi aqui que li o Livro do Desassossego, na edição da Ática”.
Biografia de Fernando Pessoa de Richard Zenith finalista de prémio Pulitzer
Richard Zenith achou o texto “importantíssimo, belíssimo”, e como na altura não existia nenhuma tradução em inglês, montou um projeto e traduziu-o na íntegra. A edição em inglês do Livro do Desassossego deu origem a uma nova em português, pela Assírio & Alvim, “e a outras edições de poesia” que saíram pela mesma editora. Em 2003, o investigador publicou o volume Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, que reunia textos já publicados, mas também muitos que na altura permaneciam inéditos, e alguns anos depois, uma fotobiografia, em colaboração com Joaquim Vieira.
“Tudo isto foi trabalho preparatório para a biografia, que sai agora em português”, admitiu Richard Zenith na apresentação para a imprensa da edição portuguesa de Pessoa. Uma Biografia, esta quinta-feira, em Lisboa, relatando como o seu agente nos Estados Unidos o “empurrou” para a escrita do livro e como achou “ingenuamente” que o trabalho estaria terminado em dois ou três anos “no máximo”. “Tanto que isso estava no contrato. Também estava no contrato que teria 160 mil palavras. Acabou por ter 360 mil palavras”, afirmou. “Nunca imaginei que uma biografia deste escritor, que alguns dizem que não tinha vida, teria essa dimensão e que me levaria tantos anos: 13 anos.”
Confessando que foi difícil encontrar o tom certo, porque nunca tinha trabalhado numa biografia e porque queria escrever “um texto com garra” que relacionasse “as várias facetas da vida de Pessoa, de modo a revelar quem era esse sujeito”, o investigador afirmou que o seu principal objetivo era “contar uma história”. “Não queremos escrever um romance com uma biografia, mas uma história, sim. Uma história de uma vida”, disse. “O que tentei fazer foi colar os elementos todos para que os leitores consigam sentir Pessoa e ter uma experiência de convivência.”
Durante mais de dez anos, Richard Zenith conviveu diariamente com Pessoa, mas a sua vida permanece ainda para ele um mistério. “Acho que Pessoa ficará sempre um mistério”, admitiu. “No início do processo de escrita, tive dificuldades em entrar em Pessoa. Era uma pessoa social, participava na tertúlia nos cafés. Em criança, era bastante solitário, mas também durante a vida toda. Mas ele tinha aqueles amigos curiosos, também sentido de humor — gostava de piadas —, mas era muito reservado. Não revelava o que sentia. Onde se revelava era na escrita literária, só que a escrita é muitas vezes fingida, então temos de proceder cautelosamente para encontrar Pessoa. Mas há muito Pessoa lá.”
Apesar das dificuldades, não significa que Zenith não tenha ficado a conhecer melhor o escritor português. “Sinto que fiquei a conhecer muito mais Fernando Pessoa”, disse o investigador, fazendo eco do que declarou ao Observador em setembro do ano passado, por altura da publicação da edição em inglês da biografia. “Alguém me perguntou qual era a minha relação com ele e eu disse que era como a de um psicanalista, mas não no sentido de psicanalisar Pessoa. Nunca fiz psicanálise, mas tenho amigos que fizeram e que dizem que falam e o psicanalista ouve. Era esse tipo de relação.”
Questionado sobre o lugar que a biografia de João Gaspar Simões, a primeira sobre Pessoa, ocupa atualmente, Zenith destacou a sua importância. “É fácil olhar para o que já foi feito e menosprezar. Hoje sabemos muito mais sobre Fernando Pessoa por causa da pesquisa que foi feita por imensas pessoas. Como digo no prólogo [de Pessoa. Uma Biografia], João Gaspar Simões teve o grande mérito de perceber que Pessoa merecia uma biografia, porque isso não era óbvio. [O livro] não vendeu imenso, só anos mais tarde é que saiu uma segunda edição”, destacou.
“As exigências eram também diferentes naquela altura. Isso vale para a biografia de Gaspar Simões e para as primeiras edições de poesia da Ática. Não havia o mesmo cuidado editorial. Por exemplo, João Gaspar Simões não costuma citar fontes. Cita uma ou outra”, exemplificou o investigador. Relativamente à sua biografia, Zenith destacou os capítulos dedicados à infância de juventude de Pessoa, pouco estudados, e também a contextualização, que, na sua opinião, nunca tinha sido feita “com rigor e pormenor”. “É um retrato completamente novo sobre essa fase da vida de Pessoa. Não temos de ser freudianos para percebermos que é a infância que nos forma”, declarou.