Os magistrados do Ministério Público manifestaram-se este sábado pouco surpreendidos com a decisão do Tribunal Constitucional (TC) em recusar apreciar a arguição de nulidades no acórdão sobre metadados pela procuradora-geral da República, mas afirmam ser “de louvar” a sua atitude.

“A decisão do TC não nos merece surpresa, porque inexiste um quadro legal que preveja a possibilidade de arguir a nulidade de um acórdão daquele tribunal proferido em sede de fiscalização abstrata de normas”, refere o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), em nota enviada à Lusa.

O Tribunal Constitucional rejeitou este sábado o pedido da procuradora-geral da República (PGR) para decretar a nulidade de sua decisão que declarou inconstitucional a lei dos metadados.

“O Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do requerimento da Senhora Procuradora-Geral da República que invocava a nulidade do Acórdão n.º 268/2022, uma vez que carece de legitimidade processual e constitucional para a suscitar”, lê-se num comunicado divulgado hoje pelos juízes do Palácio Ratton.

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No texto, o TC alega igualmente que eram “manifestamente improcedentes os argumentos invocados pela requerente”.

“Sem prejuízo, é de louvar a atitude da senhora PGR que, não ignorando o caráter inovador do requerimento apresentado e perante as consequências nefastas do acórdão em causa, decidiu procurar, por essa via, minorar as mesmas”, acrescenta o sindicato, sublinhando que respeita a decisão do TC.

Para os magistrados do Ministério Público compete agora ao Governo e à Assembleia da República “preparar e aprovar um quadro normativo sobre a matéria, que obvie, por um lado, às inconstitucionalidades levantadas pelo TC e, por outro, garanta a possibilidade de conservação dos metadados, em condições de segurança e por um período razoável”.

O objetivo é que a esses metadados “possam aceder as autoridades judiciárias quando tais elementos se afigurem essenciais para a investigação e descoberta dos autores de crimes graves”.

Sem esse quadro legal, reitera o SMMP, crimes graves como terrorismo, homicídios ou crimes informáticos correm o risco de ficar na “total impunidade”, fazendo com que qualquer investigação criminal fique, à partida, “condenada ao insucesso”.

“Queremos acreditar que esse quadro legal vai ser rapidamente encontrado”, afirma o SMMP.

Também em resposta à Lusa, a Ordem dos Advogados (OA) considerou que “o comunicado corresponde integralmente à posição que a OA tinha expresso publicamente sobre o assunto”, tendo na altura concordado “integralmente com a sua fundamentação”.

A PGR, Lucília Gago, defendeu na segunda-feira que a decisão do TC sobre a lei dos metadados é nula, por entender haver “contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade”.

“A procuradora-geral da República arguiu a nulidade da decisão em referência por considerar existir contradição entre a fundamentação e o juízo de inconstitucionalidade que recaiu sobre o art.º 4º da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho, em particular no que concerne à conservação dos dados de base e IP”, lê-se numa resposta da PGR enviada à agência Lusa.

Lucília Gago, representante máxima do MP, assinou uma peça processual na qual defendeu a nulidade da decisão do TC relativa à lei dos metadados, que impõe a proibição com efeitos retroativos de recolha deste tipo de informação para investigação criminal.

O TC anunciou em 27 de abril ter declarado inconstitucionais as normas da chamada “lei dos metadados” que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal.

Num acórdão proferido no dia 19, o TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

O possível impacto desta decisão nos processos com recurso a metadados na investigação criminal desde 2008 está já a ser questionado por diferentes agentes do setor judiciário.