A imagem da Virgem Maria com uma arma na mão foi recentemente pintada na parede de um prédio no distrito de Solomyansky, região de Kiev, na Ucrânia. Não se trata de uma arma qualquer: é um FGM-148 Javelin, lançador de mísseis antitanque portátil, produzido e desenvolvido pelos Estados Unidos e capaz de destruir um tanque até quatro quilómetros de distância. E não é uma santa qualquer.
A “Santa Javelin” tornou-se um símbolo da resistência ucraniana mas, no entanto, o mural foi recebido com indignação por parte da comunidade religiosa do país.
O Conselho de Igrejas da Ucrânia considerou, em comunicado, que as paredes dos edifícios não são “uma galeria privada, mas um espaço público”, exigindo o cumprimento da lei e “o devido respeito pelas crenças religiosas da sociedade ucraniana”.
Por sua vez, o ex-jornalista Christian Borys, que esteve na origem da figura, comentou a polémica no Twitter: “Entendo que algumas pessoas religiosas se ofendam com a Santa Javelin, mas sugiro que leiam literalmente qualquer coisa sobre a longa, longa história de ícones religiosos usados para apoio moral na guerra. Este símbolo significa muito para muitas pessoas agora”.
I understand that some religious people are offended by @saintjavelin but I would suggest they read literally anything about the long, long history of religious icons used for moral support in war.
This symbol means a hell of a lot to a lot of people now. pic.twitter.com/0WgZSuBUR0
— Christian Borys (@ItsBorys) May 25, 2022
É o grupo de arte Kailas-V o responsável pela criação desta peça de arte urbana, cujo objetivo é angariar dinheiro para a restauração da Ucrânia. À Sky News, Kailas-V acusa Vitali Klitschko, autarca de Kiev, de vandalizar o graffiti, tapando a auréola azul. Como se pode reparar, na imagem partilhada por Borys esta quarta-feira a auréola azul ainda é visível, mas na fotografia principal deste artigo ela não está presente.
O líder do grupo, Yama Volk, garantiu à televisão britânica que receberam “muito” apoio dos residentes da zona. “Todos ficaram felizes, mas Klitschko decidiu cometer vandalismo.”
Fora o mural, a imagem já foi impressa em camisolas — Borys ofereceu inclusive uma ao Presidente Zelensky — sacos de pano, canecas, autocolantes, entre outros objetos que estão a ser vendidos no site da Santa Javelin que nasceu para ajudar a Ucrânia.
Today I gave Ukraine’s minister of defense @oleksiireznikov a T-shirt from @saintjavelin
And I gave another one to him to give to @ZelenskyyUa
He said “perfect I’m seeing him later!” pic.twitter.com/HkvZDA8Fze
— Christian Borys (@ItsBorys) April 28, 2022
Christian Borys não reclama para si a paternidade da figura. O ex-jornalista canadiano inspirou-se numa Virgem Maria com uma Kalasnikov pintada em 2012 pelo norte-americano Chris Show que se tornou num meme posteriormente, sendo a AK-47 substituída por um rocket de mísseis.
Quando a invasão russa da Ucrânia se deu a 24 de fevereiro, não quis ficar quieto, contou o próprio à BBC. Pensando numa maneira de ajudar, lembrou-se da Santa Javelin que circulava na internet, tendo viralizado no Reddit e no Twitter. Pediu a um amigo que recriasse a imagem e começou assim a imprimi-la em vários suportes para angariar fundos.
A imagem acabava por ganhar um novo conceito e sentido: já não simbolizada apenas a resistência ucraniana, como apontava para a ajuda que o Ocidente dava à Ucrânia.
A arma que a Virgem Maria segura é “o ícone do apoio militar dos EUA aos seus aliados”, afirmou Yohann Michel, analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Berlim, ao El País. O Presidente Joe Biden, numa visita a uma das fábricas que produzem os Javelin, até brincou com o facto de os pais ucranianos estarem a chamar os seus filhos de “Javelin” ou “Javelina” por causa da sua eficácia, noticiava a CBS News no início deste mês.
O Javelin “é um míssil antitanque equipado com um sistema que não necessita de ser teleguiado para atingir o alvo”, o que possibilita uma maior proteção ao atirador, já que se pode abrigar após efetuar o disparo, explicou Siemon Wezeman, especialista em comércio de armas do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, ao jornal espanhol.