O Vaticano anunciou este fim de semana que o Papa Francisco vai fazer uma curta visita pastoral à cidade italiana de L’Aquila, no dia 28 de agosto, para participar na Perdonanza Celestiniana, uma celebração religiosa anual que ocorre todos os verões naquela cidade italiana — e a notícia intensificou nos meios católicos a especulação sobre a possibilidade de o atual líder da Igreja Católica seguir os passos do seu antecessor, Bento XVI, e renunciar ao cargo num futuro próximo.

“O anúncio gerou especulações, de origem desconhecida, de que a viagem poderá ser o prelúdio para a renúncia do Papa de 85 anos”, escreve a Agência de Notícias Católica. “A viagem do Papa a L’Aquila levanta questões sobre as renúncias papais”, titula o National Catholic Reporter. A Associated Press, por seu turno, destaca que o anúncio veio “acrescentar combustível aos rumores sobre o futuro” do pontificado de Francisco, lembrando que a possibilidade de o Papa abandonar voluntariamente a liderança da Igreja é discutida desde o início do pontificado — e tem sido acentuada pelos acontecimentos dos últimos meses.

Efetivamente, o anúncio da visita do Papa Francisco a L’Aquila é muito significativo. É naquela cidade da Itália central que se encontra o túmulo do Papa Celestino V, um monge beneditino que liderou a Igreja Católica durante cerca de seis meses, entre julho e dezembro de 1294, mês em que abdicou do trono papal. Celestino V é habitualmente referido como o primeiro Papa católico a renunciar ao cargo (embora durante o primeiro milénio tenha havido outros casos de deposição e abdicação forçada) e a sua renúncia, ocorrida há mais de 700 anos, continua a ser um marco histórico para a Igreja Católica.

A renúncia de Celestino V ganhou especial importância em 2009, quando o então Papa Bento XVI visitou a cidade de L’Aquila e deixou o seu pálio — uma faixa de lã usada pelo Papa como símbolo da sua jurisdição — sobre o túmulo de Celestino V. Quatro anos depois, em 2013, Bento XVI anunciou que iria renunciar ao papado, tornando-se o primeiro Papa a fazê-lo em quase 600 anos (depois de Celestino V, só Gregório XII o tinha feito, no século XV), e a sua visita a L’Aquila foi lida em retrospetiva como um sinal de que Bento XVI já estaria a ponderar a possibilidade de abandonar o cargo.

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Agora, o anúncio por parte do Vaticano de que o Papa Francisco irá visitar L’Aquila está a ser interpretado como um sinal de que o Papa argentino poderá vir a seguir o exemplo de Joseph Ratzinger no que toca à possível renúncia ao papado.

Na realidade, Francisco irá somente participar na Perdonanza Celestiniana, uma celebração anual ocorrida nos dias 28 e 29 de agosto que assinala a abertura de um novo ano de indulgência — um ritual iniciado pelo Papa Celestino V, que dá nome ao evento, em 1294. Aliás, como nota a Agência de Notícias Católica, esta celebração já é considerada Património Imaterial Cultural da UNESCO desde 2009. Ainda assim, é a primeira vez em mais de 700 anos que a celebração é presidida por um Papa.

O anúncio da visita a L’Aquila veio juntar-se a outras notícias recentes que já estavam a contribuir para a especulação em torno da possível renúncia do Papa Francisco.

No mês passado, por exemplo, o Papa surgiu pela primeira vez em público numa cadeira de rodas, o que levantou questões sobre a saúde do argentino. O recurso à cadeira de rodas aconteceu numa altura em que Francisco foi também submetido a uma pequena cirurgia a um joelho, onde tem habitualmente fortes dores, a que se soma a dor ciática, motivo que o faz coxear frequentemente e aguentar pouco tempo em pé.

Papa Francisco aparece de cadeira de rodas em público pela primeira vez

Além da visita a L’Aquila e da saúde frágil, dois outros anúncios estão a fazer soar os alarmes de possível renúncia ao trono papal: a realização de um consistório em agosto para a elevação de 21 bispos à dignidade de cardeais; e a realização de um consistório extraordinário para discutir a nova Constituição do Vaticano, que está em vigor desde este mês e que põe em prática a reforma da cúpula da Igreja Católica que era uma das grandes bandeiras eclesiásticas do Papa Francisco. Tudo isto acontecerá durante o mês de agosto, um período habitualmente calmo no Vaticano — o que tem contribuído ainda mais para a especulação de que algo diferente poderá acontecer num futuro próximo.

A nomeação de novos cardeais é uma das ferramentas mais poderosas à disposição de um Papa para moldar o destino da Igreja Católica no longo prazo. Na prática, o Papa pode decidir quem faz parte do próximo conclave, o organismo que vai escolher o seu sucessor. Atualmente, 63% dos cardeais em idade de poder votar foram elevados a essa dignidade pelo Papa Francisco, 29% por Bento XVI e 8% por João Paulo II. Como explicava ao Observador em 2021 o biógrafo do Papa Francisco, Austen Ivereigh, o Papa argentino não tem poupado esforços na nomeação de novos cardeais, escolhidos de entre os bispos mais alinhados com a sua visão do mundo e da Igreja, para que o próximo Papa venha a ser um continuador da reforma de Francisco.

Com a nomeação de 21 novos cardeais, que incluem figuras da América Latina, da Ásia e de África, o Papa Francisco continua a reduzir o peso da Europa e, especialmente, de Itália no colégio cardinalício — e aumenta a pressão para um futuro conclave que volte a eleger um Papa oriundo das periferias globais. Por outro lado, a realização de um consistório extraordinário para debater com os cardeais a reforma da Cúria Romana parece trazer ao Vaticano um espírito de “missão cumprida” para Francisco.

Em 2014, pouco depois da sua eleição, o Papa Francisco já tinha dito, em entrevista ao Corriere della Sera, que a renúncia de Bento XVI não seria, provavelmente, a última abdicação papal dos tempos modernos. No mesmo ano, Francisco admitiu publicamente vir um dia a renunciar ao pontificado, antecipando que o seu pontificado seria curto.

Papa prevê pontificado curto: “Mais dois ou três anos”