Os graves níveis de fome atuais são a “ponta do iceberg”, e a insegurança alimentar deverá atingir pessoas que não corriam esse risco, afirma Monika Tothova, economista da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Em entrevista à Lusa, a especialista em políticas agrícolas e alimentares explicou que, caso a atual crise alimentar global se arraste, muitas famílias perderão poder de compra e precisarão de fazer refeições menos nutritivas ou até reduzir o número de refeições diárias.

“Os níveis de fome e os níveis de emergência são a ponta do iceberg, sendo provável uma deterioração significativa, já que muitos cidadãos já esgotaram qualquer capacidade de resiliência que tinham”, afirmou Tothova.

“Mesmo as pessoas que ainda não estão em níveis de insegurança alimentar de emergência provavelmente serão afetadas, pois o seu poder de compra diminuirá, precisarão de consumir alimentos menos nutritivos ou saltar refeições, retirar as crianças da escola”, entre outras consequências, avaliou.

Estas possibilidades combinadas terão impacto na saúde e bem-estar dessas famílias, incluindo no aumento da prevalência de desnutrição, assim como a perda e o atraso no crescimento das crianças, destacou Monika Tothova.

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Entre os países mais afetados, a economista referiu o Iémen, onde cerca de 17,4 milhões de pessoas necessitam agora de assistência alimentar.

“A situação humanitária no país provavelmente ficará ainda pior entre junho e dezembro de 2022, com o número de pessoas que provavelmente não conseguirão atender às suas necessidades alimentares mínimas a atingir um recorde de 19 milhões de pessoas nesse período”, detalhou.

Ao mesmo tempo, espera-se que mais 1,6 milhões de pessoas no Iémen caiam em níveis emergenciais de fome, elevando o total para 7,3 milhões de pessoas até ao final do ano.

No ano passado, o mundo registou mais um pico de fome, segunda a ONU. De acordo com o Relatório Global sobre Crises Alimentares, em 2021 cerca de 193 milhões de pessoas em 53 países/territórios experimentaram insegurança alimentar aguda, um aumento de 40 milhões de pessoas desde 2020.

A guerra da Rússia na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro, perturbou o equilíbrio alimentar global e está a levantar temores de uma crise que já está a afetar, em particular, os países mais pobres.

Juntas, a Ucrânia e a Rússia produzem quase um terço do trigo e da cevada do mundo e metade do óleo de girassol, enquanto a Rússia e a sua aliada Bielorrússia são dos maiores produtores mundiais de potássio, um ingrediente-chave de fertilizantes.

Nesse sentido, a guerra levou a um aumento nos preços mundiais de cereais e óleos, cujos valores superaram os alcançados durante as Primaveras Árabes de 2011 e os “motins da fome” de 2008.

“A guerra na Ucrânia ocorreu no momento em que o mundo recuperava da pandemia de Covid-19. Ao mesmo tempo, a insegurança alimentar estava a aumentar em todo o mundo, porque muitas pessoas perderam os meios de subsistência”, disse Monika Tothova.

Nesse contexto, o conflito resultante da invasão russa da Ucrânia “trouxe preocupações significativas sobre o potencial impacto negativo na segurança alimentar, especialmente para países pobres dependentes de importação de alimentos e grupos populacionais vulneráveis”, acrescentou.

A especialista da FAO destacou ainda que para se conseguir manter o financiamento humanitário para assistência vital, incluindo assistência alimentar, seriam necessários mais de 70 milhões de dólares (65,2 milhões de euros) por mês, citando dados do Programa Alimentar Mundial.

Focando em possíveis soluções imediatas para tentar travar o problema, Tothova defendeu que diminuir a perda e o desperdício de alimentos poderia melhorar o equilíbrio alimentar, pelo menos parcialmente.

A economista frisou ainda a necessidade de investimento em investigação, desenvolvimento e em capacidade produtiva, apesar de salientar que se trata de uma estratégia de longo prazo, que não é capaz de resolver os problemas rapidamente.