Manuel Pinho diz ter sido sondado por José Sócrates, entre outubro e novembro de 2009, para o cargo de governador do Banco de Portugal. Se tal hipótese se tivesse concretizado, Ricardo Salgado teria tido como supervisor da banca um ex-administrador seu, a quem pagou secretamente uma avença mensal, segundo o Ministério Público.

Pinho revela a abordagem de Sócrates nos vários textos que lhe foram apreendidos pelo Ministério Público no dia 23 de fevereiro na Quinta do Assento (Braga), a casa onde está em prisão domiciliária.

Manuel Pinho. “Assumo: usei de uma ‘habilidade’ para não revelar o meu património quando entrei para o Governo”

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Foi nestes mesmos textos que o ex-ministro confessou igualmente, como o Observador noticiou em primeira mão, que tinha mentido sobre o seu património quando se tornou ministro: “Usei de uma ‘habilidade’ para não revelar o meu património quando entrei para o Governo”. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto juntaram agora novos textos aos autos do caso EDP nos quais Pinho revela a abordagem que terá recebido do então primeiro-ministro.

Pinho demitiu-se do cargo de ministro da Economia em julho de 2009, devido ao episódio dos corninhos no Parlamento, tendo escrito no seu computador pessoal que após a demissão “não tinha ideia do que iria fazer”, restando-lhe três hipóteses:

  • A primeira passava por aceitar um convite que um responsável da Universidade de Columbia lhe teria dirigido para dar aulas, conferências ou realizar investigação naquela universidade de Nova Iorque. “Por volta do meu aniversário [28 de outubro], John Coasworth telefonou para convidar-me para passar um período na SIPA [School of International and Public Affairs]”, escreve Pinho. Na realidade, terá sido Manuel Pinho (com a ajuda da sua mulher) que se terá oferecido à universidade norte-americana, como o Observador revelou neste artigo.
  • Na mesma altura, a 28 de outubro de 2009, Pinho diz ter recebido, “por uma estranha coincidência”, uma “visita de José Sócrates que me comunicou a ida de Vítor Constâncio para o BCE [Banco Central Europeu]” — nomeação que foi concretizada pelo Eurogrupo em fevereiro de 2010.” E acrescenta Pinho: “[Sócrates] desafiou-me a assumir o lugar de governador do Banco de Portugal. A partir dessa altura, o meu futuro ficou em suspenso.”
  • A terceira hipótese prendia-se com uma reforma antecipada do BES — ao qual mantinha o vínculo laboral, sendo certo que também recebia uma avença mensal oculta do saco azul do Grupo Espírito Santo. “Uma vez que tinha feito 55 anos”, Pinho começou a tratar desse tema. Mas, para “surpresa” do ex-administrador do BES, “disseram-me que eu apenas a poderia ter com uma baixa médica. O que, naturalmente, recusei”, lê-se no texto escrito por Manuel Pinho.

Pinho diz que recusou abordagem. Teixeira dos Santos afirma que nunca ouviu falar do tema

O Observador confrontou Ricardo Sá Fernandes, o advogado de Manuel Pinho, com todas as transcrições dos novos documentos juntos aos autos do caso EDP, tendo Pinho confirmado a autoria dos textos.

Nas respostas enviadas ao Observador, o ex-ministro da Economia confirma que o “primeiro-ministro [José Sócrates] trocou impressões comigo sobre o Banco de Portugal, mas não houve qualquer convite formal para o que quer que fosse.”

Contudo, terá sido Manuel Pinho a recusar a sondagem de Sócrates. Porquê? Porque “eu tinha decidido não tornar a exercer qualquer outro cargo público”, justifica.

“Como é sabido, o meu rumo foi ensinar em várias universidades, incluindo 3 das top-20 mundiais, onde tive largas centenas de alunos, o que foi uma experiência de certa forma única”, conclui.

O Observador contactou igualmente Fernando Teixeira dos Santos, ex-ministro das Finanças do Governo Sócrates e o titular da pasta com a prerrogativa para indicar um nome ao primeiro-ministro para suceder a Vítor Constâncio no Banco de Portugal.

Nunca o primeiro-ministro me falou ou colocou essa hipótese do Manuel Pinho para o Banco de Portugal. Nem formal nem informalmente. O nome de Carlos Costa [o governador do Banco de Portugal que sucedeu a Vítor Constâncio] foi proposto por mim e foi imediatamente aceite por José Sócrates”, afirmou de forma peremptória Teixeira dos Santos.

Mais: o ex-ministro das Finanças que praticamente obrigou José Sócrates a chamar a troika, diz que é “amigo de Manuel Pinho” e que “também nunca ele me confidenciou isso em conversa comigo.”

Recorde-se que Manuel Pinho é arguido no caso EDP por dois crimes de corrupção, além de outros ilícitos que lhe são imputados, por ter recebido uma alegada avença de Ricardo Salgado, líder executivo do BES, enquanto foi ministro da Economia e após ter saído do cargo governativo.

O Observador contactou José Sócrates mas não obteve qualquer resposta às duas tentativas de contacto por escrito.