“Não podemos colocar pressão excessiva sobre as famílias no processo de transição energética”, afirmou António Costa esta sexta-feira para justificar a proposta subscrita por Portugal para adiar por cinco anos, até 2040, a meta de 0% de emissões de CO2 que equivale ao fim da venda de veículos com motor a combustão (combustíveis fósseis). O primeiro-ministro explicou que a posição assumida no parecer entregue à Comissão Europeia e que é subscrito por cinco países — Portugal, Itália, Bulgária, Roménia e Eslováquia — é a de que em vez de se reduzir em 100% as emissões de CO2 até 2035, a redução seja de 90%, o que é compatível com a manutenção de carros híbridos.
A eliminação da totalidade das emissões de CO2 produzidas por veículos, a partir de 2035, o que implica o fim da produção e venda destes automóveis, foi aprovada no Parlamento Europeu, mas terá ainda de ser votada pelos ministros do Ambiente e Energia num conselho da próxima terça-feira.
O primeiro-ministro falava à saída do Conselho Europeu onde se discutiram medidas para responder à crise energética gerada pela guerra da Ucrânia e sanções à Rússia. Em resposta aos jornalistas, António Costa recusou a acusação da falta de ambição na posição portuguesa. “Não é falta de ambição, mas sim prudência” face à importância da cadeia de valor da indústria automóvel.
António Costa começou por defender a iniciativa para evitar “uma pressão excessiva sobre as famílias”, salvaguardando que a diferença fundamental face à proposta da Comissão é permitir que daqui a 13 anos os carros híbridos possam continuar a ser produzidos e comercializados. Mas acabou por admitir que por detrás da proposta que Portugal subscreve está também uma preocupação em ajudar os produtores do setor. “Para um país como Portugal não é qualquer coisa de irrelevante” face à importância da “fileira industrial” sobretudo na área dos componentes automóveis que emprega milhares de pessoas e para quem a exigência de 0% de emissões é preocupante. “Para que a transição seja feita de forma sustentável, equilibrada e socialmente justa”.
O primeiro-ministro recordou o recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o impacto da transição na indústria automóvel portuguesa, o qual apontou que o setor sentirá dificuldades devido a uma elevada dependência em tecnologias assentes em motores de combustão.
A posição portuguesa foi revelada esta quinta-feira pela associação ambientalista Zero, segundo a qual “Portugal, a Itália, a Roménia, a Bulgária e a Eslováquia se preparam para formar um bloco e tomar uma posição conjunta que mina a votação favorável do Parlamento Europeu de impor um corte de 100% nas emissões de dióxido de carbono (CO2) de novos automóveis a partir de 2035. Se considerarmos que o governo alemão poderá abster-se no Conselho, a posição em bloco destes países pode mesmo determinar o gorar da ambição de proibir a venda de carros a combustão a partir de 2035, o que é uma machadada no Pacto Ecológico Europeu.”
A Zero diz ainda que esta posição “estará diretamente relacionada com investimentos em linhas de produção de automóveis a combustão realizados pela Autoeuropa no país”. Ao contrário de outras unidades do grupo alemão, a fábrica de Palmela ainda não conseguiu entrar na produção de veículos elétricos, o que já suscitou um alerta por parte da Comissão de Trabalhadores.
A associação ambientalista descreve a posição portuguesa como “retrógrada”, remetendo ainda para a lei de bases do clima aprovada pelo Governo a qual permite a venda de automóveis híbridos para além de 2035. E defende que os trabalhadores da indústria automóvel, tal como a sociedade, “não podem ficar reféns do prolongamento artificial da venda de veículos de combustão promovido pelos interesses económico-financeiros das construtoras de automóveis, pois trata-se de uma tecnologia com os dias contados”.
Nos esclarecimentos prestados aos jornalistas em Bruxelas, o primeiro-ministro destacou que Portugal está mais avançado que outros países europeus em metas de política energética, realçando o objetivo de 80% de produção renovável na eletricidade, bem como os investimentos feitos no transporte público e nos descontos dos passes sociais e os incentivos à compra de carros elétricos. “Ambição é o que não tem faltado à nossa política energética”, defendeu António Costa.
Proposta defende período de transição para comerciais ligeiros
A proposta dos cinco países, a que o Observador teve acesso, defende um período de transição de 2035 a 2040 para o fim das emissões de CO2 para proteger a indústria automóvel e os consumidores evitando criar “custos desproporcionados e desnecessários” ao mesmo tempo que “é plenamente consistente com as metas para o clima da União Europeia”.
Uma dos setores que a proposta quer salvaguardar é o dos pequenos produtores automóveis. Há ainda a preocupação com os comerciais ligeiros que desempenham “um papel crucial na cadeia logística de abastecimento” e são indispensáveis para as pequenas e médias empresas. O custo e a eficiência destes veículos são ainda apontados com um fator decisivo no momento de fazer a aquisição, considerando ainda o documento que a eletrificação das carrinhas de menor dimensão exige um maior tempo de desenvolvimento do ciclo de produção.
A proposta defende ainda a necessidade de incentivos adequados à introdução de veículos com emissões reduzidas ou zero e a criação de um mercado em segunda mão para este tipo de veículos. E propõe um calendário mais suave de redução de emissões para veículos comerciais ligeiros que será de 45% em 2030, subindo para 80% em 2035 para chegar aos 100% em 2040.