Foi a principal frente de batalha na Ucrânia nas últimas semanas. Com aproximadamente 100 mil habitantes, Severodonetsk, na região de Lugansk, foi este sábado conquistada pelas forças russas. O autarca da cidade, Serhiy Haidai, admitiu que as tropas ucranianas retiraram-se da localidade, num cenário em que 90% da cidade está “destruída”: “Vai ser muito difícil sobreviver lá”.
Do lado russo, a tomada de Severodonetsk é vista como uma operação “bem sucedida”, enquanto a Ucrânia desvaloriza a perda da cidade, descrevendo-a como uma “retirada tática”. “Manter posições por meses apenas para se estar lá não faz sentido”, reconheceu Serhiy Haidai. Num momento em que a ofensiva se prolonga há mais de quatro meses, a vitória da Rússia naquela localidade é estrategicamente importante?
Ihor Romanenko, antigo vice-chefe do estado-maior geral das Forças Armadas da Ucrânia, caracterizou, em declarações à Al Jazeera que Severodonetsk representa uma “perda pequena” para Kiev, uma vez que “acabou por servir o propósito” — ou seja, cansar o exército russo e desmotivá-lo.
Esta posição é partilhada pelo Institut for the Studies of War, um think tank norte-americano: “A perda de Severodonetsk é uma perda para a Ucrânia no sentido de que qualquer parte do seu território capturada pelos russos é uma perda — mas a batalha de Severodonetsk não será decisiva para uma vitória russa”. Além disso, as forças ucranianas “conseguiram cumprir, em linhas gerais, o seu objetivo no campo de batalha, obrigando as tropas russas a diminuir a intensidade”.
Por conseguinte, Severodonetsk obrigou as forças russas a abrandar a ofensiva na Ucrânia, ao passo que as tropas ucranianas tiveram mais tempo para se reorganizarem. “O tempo funciona contra a Rússia, já que o seu potencial militar não pode ser permanentemente substituído”, diz à Al Jazeera Pavel Luzin, membro do think tank Jamestown Foundation.
“As forças armadas ucranianas […] entendem que a tomada de Severodonetsk não muda nada para o exército russo ou ucraniano do ponto de vista prático”, afirma o especialista militar Mykhailo Samus ao jornal independente russo Meduza. “Para o exército ucraniano, defender a cidade já não é vantajoso”, resume.
Pela parte da Rússia, Severodonetsk foi um dos principais focos de tensão desde que Moscovo invadiu, em 2014, o leste da Ucrânia. O Washington Post lembra que a cidade tem sido controlada ora pelas autoridades de Kiev, ora pelas forças separatistas, persistindo um estado de conflito permanente. Oito anos depois, com a invasão de todo o país levada a cabo pelo Kremlin, a Ucrânia nomeou-a, após a tomada de Lugansk pela Rússia (o centro administrativo da região com o mesmo nome), capital da região.
Porém, esta conquista não é um fim político ou estratégico em si mesmo, mas antes um meio para alcançar outros fins militares. Como nota o The Economist, a cidade está localizada perto de Donetsk, a outra república que proclamou a sua própria independência. Ora, a posição geográfica de Severodonetsk permite chegar mais perto à principal porta de passagem entre Donetsk e Lugansk: Lysychansk.
Em termos estratégicos, Lysychansk é uma mais-valia, mas também é o do ponto de vista político. A cidade de 96 mil habitantes é a última cidade, na região de Lugansk, controlada pela Ucrânia (a penúltima foi Severodonetsk). Com isto, a autoproclamada república de Lugansk tornar-se-ia completamente livre das autoridades de Kiev e Moscovo conseguiria uma importante vitória.
“Tomar Severodonetsk e Lysychansk permite [à Rússia] declarar que a autoproclamada república de Lugansk é agora independente e a Rússia pode dizer que atingiu um dos seus objetivos na ‘operação militar especial'”, explica Mykhailo Samus.
Por causa da posição geográfica, se Lysychansk ficar completamente nas mãos dos russos, é mais um passo para controlar outros dois territórios na região de Donetsk — Kramatorsk, um centro industrial, e Slovyansk. As três localidades são as únicas cidades que a Ucrânia ainda mantém em Donbass — e seria ainda mais um motivo de celebração para as tropas russas, que já estão já há quatro meses na Ucrânia.
Assim, num futuro próximo, Lysychansk será o principal foco de tensão entre a Ucrânia e a Rússia. Se aquela cidade for conquistada, o objetivo russo de tomar o Donbass (composto por Lugansk e Donetsk) estará mais perto — mas a Ucrânia vai ganhando fôlego para a contraofensiva.