Os filhos mais velhos do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, alguns dos quais na mira da justiça, defendem uma lei de amnistia geral e o “fim dos processos judiciais e institucionais contra muitos angolanos”, invocando “o legado de paz e de reconciliação nacional” do pai.

“Na sexta-feira, 8 de Julho de 2022, o coração do nosso pai deixou de bater”. Assim começa uma mensagem divulgada esta terça-feira pelo serviço de assessoria de Isabel dos Santos à agência Lusa e a que o Observador também teve acesso. O texto vem assinado por Isabel, José Filomeno  (Zénu) Welwitschea (Tchizé) Joess, José Eduardo Paulino (Coréon Du) que, depois de agradecerem as expressões de afeto e pesar que têm recebido de todo o mundo e Angola em particular, explicam ter o “desejo de contribuir para trazer todos de volta à razão, à serenidade e ao consenso”.  Expõem a seguir a sua posição quanto à celebração de um funeral nacional para o pai, propondo que se realize só depois das eleições, e defendem então que “chegou o momento de pedir desculpa” e pôr fim aos processos judiciais.

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Problema: já depois de o Observador ter escrito que Tchizé parecia ter recuado nas suas posições quanto ao funeral e à amnistia, a segunda filha de José Eduardo dos Santos disse à Lusa que não tinha assinado qualquer mensagem e que se demarcava dela, duvidando mesmo da sua autenticidade.

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Alguns dos filhos de José Eduardo dos Santos, nomeadamente a mais velha, a empresária Isabel dos Santos e o seu irmão José Filomeno dos Santos “Zénu”, bem como colaboradores próximos do ex-Presidente, como os generais “Dino” e “Kopelipa” enfrentam processos nos tribunais angolanos, o que no entendimento de alguns analistas é visto como uma justiça seletiva.

Na mensagem divulgada esta terça-feira, os filhos dizem que “todos devem ser convidados a participar ativamente e a dar o seu melhor para a construção do seu país, Angola”.

O Presidente João Lourenço, que recebeu o poder das mãos de Eduardo dos Santos e tomou posse em setembro de 2017, elegeu a luta contra a corrupção como a principal bandeira do seu mandato.

Numa fase inicial, numa espécie de “tempo da graça”, publicou a Lei do Repatriamento de Capitais, onde era permitido aos que estavam sob suspeição de terem usado fundos do erário público em prol de negócios privados um acordo com o governo, devolvendo verbas, sob anonimato, e ficando livres de processos judiciais.

Segundo fonte da justiça angolana, nenhum dos filhos de José Eduardo dos Santos terá usado este prazo de seis meses para regularizar a sua situação, tendo Tchizé dos Santos desafiado mesmo a irmã Isabel a devolver, posteriormente, 75 milhões a Angola.

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João Lourenço tem negado a seletividade dos tribunais angolanos, dizendo que o critério é se foram ou não cometidos crimes e que vai continuar a tentar recuperar os ativos do Estado que foram desviados.

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No mesmo texto divulgado, os filhos salientam que José Eduardo dos Santos se retirou voluntariamente dos assuntos públicos, implementando os “mecanismos para uma mudança democrática e pacífica de liderança”.

No entanto, escrevem, “em vez de uma reforma pacífica e merecida, enfrentou silenciosamente ataques que visavam destruir a sua imagem e o seu trabalho político e social”, uma injustiça que “levou à divisão da sociedade e ao enfraquecimento do país”.

Para restaurar a unidade e a harmonia nacional, chegou o momento de pedir desculpa e de reparar os danos causados ao incansável Arquiteto da Paz [José Eduardo dos Santos]”, sugerem os cinco subscritores da carta, a que a Lusa teve acesso.

Aferem, por isso, que a consolidação do legado político do que apelidam de “Pai da Nação” exige a adoção de uma lei de amnistia geral e o fim dos processos judiciais e institucionais contra muitos angolanos.

E apelam ao respeito pelo luto e comprometem-se a colaborar na realização de um funeral nacional após as eleições, embora Tchizé sempre se tenha oposto a que o corpo de José Eduardo dos Santos fosse trasladado para Angola enquanto João Lourenço estivesse no poder.

Atualmente, Isabel dos Santos enfrenta processos cíveis e criminais em Angola onde em dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias suas, do seu marido, o congolês Sindika Dokolo (entretanto falecido), e do português Mário da Silva, e de várias empresas nas quais detém participações sociais, por alegados negócios que terão lesado o Estado angolano em valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,87 mil milhões de euros).

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A empresária vive fora de Angola há vários anos, tal como a sua irmã Tchizé, ex-deputada do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) e detentora de vários negócios em Luanda, cujo mandato foi suspenso em 2019, devido a ausências prolongadas e reiteradas nas reuniões plenárias, que justificou com o facto de ser vítima de perseguição e ameaças de morte.

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“Zénu”, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, aguarda em liberdade a decisão sobre o recurso que interpôs para se livrar da sentença de cinco anos de prisão a que foi condenado, em 2020, por burla e defraudação, peculato e tráfico de influências, no âmbito do caso conhecido como “500 milhões de dólares”.

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Mais recentemente, foram notificados, no mesmo dia em que José Eduardo dos Santos morreu, a 8 de julho, numa clínica em Barcelona, os generais “Dino” e “Kopelipa” acusados de vários crimes entre os quais os de peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais, num processo que envolve várias empresas, entre as quais a petrolífera Sonangol.

Generais de José Eduardo dos Santos acusados de vários crimes. Foram notificados no dia da sua morte

A Lusa divulgou entretanto que na sua última deslocação a Angola, o ex-Presidente angolano pediu à Procuradoria-Geral da República para ser ouvido no âmbito deste processo, sem obter resposta das autoridades.