Os filhos mais velhos do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos comprometeram-se esta terça-feira a colaborar na realização de um funeral nacional, mas após as eleições de 24 de agosto, ao mesmo tempo que pedem um mausoléu para acolher os restos mortais do pai.

“É o nosso desejo contribuir para trazer todos de volta à razão, à serenidade e ao consenso” dizem os filhos, antes de enunciarem cinco desejos numa mensagem tornada pública a que a Lusa teve acesso e, posteriormente, o Observador.

Começam por pedir tempo: “Que seja dado tempo para serem devidamente apuradas todas as causas do falecimento do nosso pai para que não existam quaisquer dúvidas sobre as mesmas”.

E depois, no texto assinado por Isabel, José Filomeno “Zenu”, Welwitschea “Tchizé”, Joess e José Eduardo Paulino “Coreon Dú”, lê-se que não querem que o pai seja enterrado ( tal como não o foi o primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto):

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“A realização de um funeral nacional deverá previamente criar e assegurar todas condições
físicas e de segurança do nosso Ilustre Pai e, para tal, ser construído o mausoléu que albergará os restos mortais do nosso pai de forma digna e honrada. O local de repouso final do Eng. José Eduardo dos Santos deve ser digno da sua contribuição histórica e do seu legado político”.

O governo angolano, pouco depois de José Eduardo dos Santos ter morrido, a 8 de julho de 2022, disse que era sua intenção que o corpo do ex-estadista ficasse num panteão nacional a construir, não sendo então claro que seria edificado a partir do mausoléu onde está Agostinho Neto.

“Numa altura em que está em curso uma campanha eleitoral, a organização precipitada de
um funeral nacional constitui uma inaceitável recuperação política de um homem cujo
trabalho político pertence agora à herança comum angolana e a todos angolanos. O funeral deverá ser realizado após as eleições marcadas para 24 de Agosto deste ano”, esclarecem depois os filhos.

Seja qual for o resultado das próximas eleições, no futuro, nós, a família, junto das instituições e do Presidente eleito, colaboraremos na união da Nação e, a organizar com tempo necessário as condições para homenagem e o funeral nacional do Pai da Nação, o nosso pai, Eng. José Eduardo dos Santos, para que um dia este em dignidade e respeito descanse em paz na terra dos seus antepassados”, prometem.

Só que, já depois de publicada esta notícia, dando conta do que parecia ser um recuo de Tchizé, esta veio, em declarações à Lusa, dizer que não assinou nenhuma mensagem, que a desconhece, e que não acredita na sua veracidade.

A filha que mais publicamente se tem oposto à trasladação do corpo do pai para Luanda, enquanto João Lourenço estiver no poder disse demarcar-se do teor da carta. Numa entrevista à CNN na segunda-feira, dia 11, a ex-deputada tinha afirmado que esperaria o tempo que fosse necessário, tal como os filhos de Savimbi (líder da UNITA, adversário político de José Eduardo dos Santos, que foi morto em 2002) esperaram para enterrar o pai.

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Na mensagem, os filhos expressam “profunda gratidão ao povo de Angola” e a todos os que partilham a sua tristeza, pedindo respeito pelo luto:

“Apelamos a todos a respeitarem os nossos costumes, os nossos valores ancestrais e as nossas crenças religiosas. O nosso pai tem esse direito e ninguém o pode contestar”, apelam, salientando que na tradição africana o tempo de luto é “um tempo de reflexão e reconciliação”.

Na mesma mensagem, invocando o “legado de paz e de reconciliação nacional” do pai, pedem ainda uma lei de amnistia geral e o “fim de todos os processos judiciais e institucionais de muitos angolanos.” 

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A família de José Eduardo dos Santos, que morreu no passado dia 8 de julho em Barcelona, e o governo angolano estão envolvidos numa disputa judicial quanto à entrega e trasladação do corpo de ex-chefe de Estado, que tem oito filhos, de cinco mulheres.

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De um lado, estão os irmãos mais velhos que, nesta carta, rejeitam celebrar as exéquias antes das eleições em Angola, onde correm processos judiciais contra Isabel dos Santos; e Tchizé, do outro, está a viúva e mãe de três outros filhos de José Eduardo dos Santos, Ana Paula dos Santos, que estava afastada do marido há alguns anos, ressurgindo a seu lado nos últimos meses.

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Ana Paula dos Santos foi a interlocutora do Governo angolano quando o marido se encontrava internado na clínica de Barcelona, onde acabou por falecer, e é apoiada pelo Governo angolano que pretende fazer um funeral de Estado em Luanda, mas viu chegar ao fim os sete dias que decretou para o luto nacional sem a presença do corpo no velório, estando dependente da decisão dos tribunais espanhóis.

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