Marcelo Rebelo de Sousa descreveu o primeiro-ministro como “um bom mata-borrão”: “Ele é muito rápido a sugar as coisas”, disse o Presidente da República sobre António Costa. “Tem-se uma ideia e ele é um mata-borrão. Um bom mata-borrão, porque é rápido”.
A consideração foi feita em entrevista à CNN Portugal, que acompanhou o presidente numa viagem de carro de Lisboa a Viseu, cidade onde marcou presença na Feira de São Mateus. A conversa foi transmitida na noite desta quinta-feira, 11 de agosto, às 22h30.
Além de comentar o trabalho do primeiro-ministro, o chefe de Estado falou sobre o afastamento dos líderes da Direita, considerando que cometeram um erro — contrariamente a Costa, que percebeu que beneficiaria da proximidade com o Presidente da República. “Também a Direita cometeu um erro que eu nunca percebi. É que os sucessivos líderes de Direita, em vez de se colarem em mim, descolaram ostensivamente de mim. E quem é que colava a mim? O primeiro-ministro e o PS”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.
Luís Montenegro, líder do PSD, tem sido “o primeiro que dá alguns sinais de perceber” as vantagens de manter a proximidade do Presidente. “Percebeu que se podia, de alguma maneira, estar ali próximo de alguém que, sem estar a fazer nenhum frete partidário, no entanto, abria espaço. É o que faz o primeiro-ministro desde sempre”, disse. “O primeiro-ministro percebeu que havia eleitorados diferentes e percebeu que podia cavalgar mais ao centro com a proximidade do Presidente“.
Mais à frente, volta a comentar o desempenho de António Costa: considera que o primeiro-ministro “tem uma resiliência muito original e duradoura”. Original porque tem “picos melhores e picos piores” — com “altos e baixos, altos muito altos e baixos muito baixos”. E duradoura devido à sua resistência. E isto, aos olhos do Presidente, têm um risco: “Ele sabe qual é esse risco, que é: acabou por criar, na área onde se move um papel quase insubstituível. Isto é, tudo tem de passar por ele”, diz. “Se Costa não pegar no aeroporto, ninguém pega“.
Noutro excerto, Marcelo Rebelo de Sousa comentou os fogos de 2017 e o consequente “ambiente anti-Governo”: “Quando houve os fogos houve ali um momento em que verdadeiramente as pessoas tiveram um choque, sentia-se muito, muito, muito o ambiente anti Governo. Depois, de tal maneira isso aconteceu, que eu senti mesmo por uma vez que a minha posição de fusível de segurança podia estar em risco se eu não tivesse sido bastante brutal na intervenção que fiz”.
Marcelo não ficou surpreendido com maioria absoluta
A comentar as eleições do Brasil (país para o qual, confirmou, viajará , Marcelo lembrou que, apesar de Lula da Silva estar à frente nas sondagens, não é certo que vença. “Eleições no Brasil são imprevisíveis”, disse. Deu como exemplo o caso português, nas passadas legislativas, em janeiro: a oposição foi “considerada como potencial vencedora” e depois “houve maioria absoluta do PS”.
É aqui que Marcelo revela que não ficou surpreendido com o resultado: “Não surpreendeu — não estava à espera, mas era um cenário plausível”, disse. Antes, especifica o momento em que pensou que este era um caminho possível: quando se tornou “muito visível” que alguns partidos estavam a perder eleitorado. “A interpretação foi a de que havia uma concentração muito grande no partido do Governo”.
Em regra, lei sem escusa de responsabilidade
O Presidente da República defende na mesma entrevista que, em regra, a lei não permite o uso das escusas de responsabilidade e que, em política, quando se tem razão, é muito importante saber explicar aos portugueses a razão que se tem.
É preciso que as pessoas olhem para o Direito, destacando que “há casos em que a lei permite [invocar escusa de responsabilidade], mas, em regra, não permite”.
Sob pena de, em diversas atividades públicas (…) sem encontrar maneira de a pessoa poder invocar realidades objetivas, como a falta de dinheiro, a falta de orgânicas, de estruturas, para não cumprir a sua missão”, acrescenta.
O chefe de Estado adianta que há casos em que pode ser invocado [escusa de responsabilidade], mas sublinha: “É muito importante, em política, quando se tem razão, saber explicar aos portugueses a razão que se tem. Porque, muitas vezes, tem-se razão, mas a não explicação da razão, ou o mau uso da razão, faz perder a razão”.
Estas declarações do Presidente da República surgem numa altura em que muitos médicos têm apresentado escusas de responsabilidade por considerarem que não estão reunidas as condições necessárias para desempenharem as funções cumprido as regras da boa prática médica.
O último caso foi conhecido na quarta-feira, quando o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) revelou que todos os 14 médicos do serviço de urgência geral do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, no distrito de Lisboa, apresentaram escusas de responsabilidade devido à “escassez permanente de recursos humanos”.
Isto insere-se no problema global que temos vivido nos últimos tempos, que é o número insuficiente de médicos escalados para a urgência face ao número de utentes que a ela recorrem. Agora, estes colegas, que são 14, manifestaram a sua indisponibilidade para salvaguardar os doentes desta situação, ou seja, não vão compactuar com este tipo de atendimento, que é nitidamente insuficiente para a população que recorre ao hospital”, afirmou Maria João Tiago, secretária regional de Lisboa e Vale do Tejo do SIM.
No início de agosto, cerca de uma centena de médicos internos de Ginecologia/Obstetrícia assinaram uma carta enviada à ministra da Saúde que, entre outras matérias, informava a tutela da entrega de escusas de responsabilidade para os casos em que estiverem destacados para trabalho em urgência e as escalas não estiverem de acordo com o regulamento sobre a constituição das equipas médicas nestes serviços.
Os pedidos de escusa visam excluir a responsabilidade individual em sede disciplinar por falhas de diagnóstico e/ou terapêutica condicionada por mau funcionamento dos serviços e que afetem o cumprimento da boa prática médica.
Racismo. Há “imensos traços que têm a ver com império”, mas jovens são “alérgicos à discriminação”
“Eu acho que há, obviamente, na sociedade portuguesa imensos traços que têm que ver com o império. Imensos traços que têm a ver com o império. Como há nas sociedades colonizadas imensos traços que têm a ver com a experiência da colonização. E, portanto, que vêm à superfície…”, respondeu Marcelo Rebelo de Sousa, confrontado com a questão sobre se existe racismo estrutural em Portugal.
Considerando que os “fenómenos da cultura cívica são mais lentos, são muito lentos”, lembra que “as pessoas morrem”, as “gerações desaparecem”. Ficam as que vivem: As novas gerações vivem, em muitos aspetos, noutro mundo, noutra onda. São globalizadas, mesmo. Mesmo quando não têm poder económico para serem globalizadas em termos de vida, de circulação, circulam na net, circulam nas ideias e, portanto, nas crianças e na juventude, é patente uma alergia total às discriminações, à xenofobia e ao racismo.”