A casa de Margarida Fortuna estava pronta para o combate ao incêndio com vários baldes e bidões cheios de água até ao topo. Nas paredes exteriores tinha mangueiras compridas já esticadas em direção à encosta da serra. Os utensílios estavam prontos há mais de uma semana porque, quando viu as primeiras notícias do fogo na Serra da Estrela, Margarida ficou com a certeza de que “era uma questão de horas” até lhe bater à porta. Não se enganou.
[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador em Orjais]
“Era uma questão de horas” até o fogo de Orjais chegar às casas
A meio da tarde desta terça-feira a população de Orjais, no concelho da Covilhã, estava na rua de olhos postos na encosta que mais parecia uma parede inalcançável. O foco de incêndio que estavam a ver parecia controlado, mas, de um momento para o outro, o vento levantou-se e trouxe as chamas para a “porta” da aldeia.
O combate foi imediatamente feito pelos habitantes que tinham estado a assistir passivamente às descargas que os aviões iam fazendo. Socorreram-se dos utensílios da casa de Margarida até que, rapidamente, apareceu um grupo de elementos da Unidade de Emergência de Proteção e Socorro que se juntou aos esforços.
Foi preciso mais de uma hora para que as habitações deixassem de estar em risco e evitar que uma história trágica se repetisse. Há 22 anos, a casa de Margarida foi consumida pelas chamas porque “havia cedros que lançaram bolinhas resinosas contra o telhado”.
[Pode ouvir aqui a História do Dia sobre o incêndio na Serra da Estrela]
“Se não fossem os vizinhos tinha ardido tudo. Bombeiros passaram e andaram”
“Eles agarraram-me pelo braço mas eu não fui, não deixei a minha casa”
Agora como no passado, Margarida Fortuna e a família foram pressionados a sair de casa pela GNR, mas recusaram com o argumento de que precisavam de ficar a defender o que tinham construído. Este é um dos maiores desafios que as autoridades no terreno têm de enfrentar. Também na freguesia de Gonçalo, já no concelho da Guarda, foi impossível tirar Agostinha Martins de casa: “Eles agarraram-me pelo braço mas eu não fui, não deixei a minha casa”, conta ao Observador.
Antes de chegar aos terrenos que circundam a casa de Agostinha o fogo esteve a lavrar numa das encostas da serra “do outro lado de Gonçalo”, mas, tal como em Orjais, surgiram focos rápidos e em zonas distantes de um momento para o outro. “Ateava em todo o lado ao mesmo tempo, parecia que andavam várias pessoas a atear fogos ao mesmo tempo, nunca vi uma coisa assim”, explica.
António Fonseca é mais um dos habitantes de Gonçalo que passou estes dias em sobressalto. Foi retirado de casa “à força”, explica enquanto vai tentando remexer a terra queimada – acredita ser um gesto importante para evitar reacendimentos. Não queria sair de casa porque “estava a molhar tudo à volta” para evitar o pior, mas saiu e quando voltou encontrou quase tudo no lugar. A vinha, que ainda trata apesar dos 90 anos, mantém-se com uvas prontas para a vindima, as alfaias estão como as deixou e, o mais importante, a casa não sofreu danos: “Não foi nada para o que podia ter sido”, conclui.
Este homem conhece bem o trabalho dos bombeiros, uma vez que foi um dos fundadores da corporação desta freguesia. Entende que “não podem estar em todo o lado”, mas assume que “fizeram falta” na localidade. São queixas repetidas pela população. Agostinha Martins não se conforma com a falta de apoio: “Passaram aqui na rua e andaram, nem pararam porque estavam mais preocupados com o centro da freguesia onde há mais casas”. “Se não fossem os vizinhos, não sei o que seria das nossas casas”, acrescenta.
Margarida Fortuna também confessa não perceber porque passou tanto tempo sem que se ouvissem os meios aéreos. Apesar de a Proteção Civil explicar que o combate fica mais difícil com fumo denso, esta habitante de Orjais está mais convicta de que se trata de “descoordenação”, mas não se alonga: “Isso não são contas do meu rosário”.