Quem se aventurasse a viajar 715 milhões de quilómetros até Júpiter — são quase 2,8 milhões de viagens entre Lisboa e Albufeira e a melhor rota seria cruzar o espaço à velocidade da luz durante oito minutos — encontraria uma paisagem em nada semelhante à fotografia que a NASA publicou esta segunda-feira.

Não é que o esticão não valesse a pena. Encontraria um mundo colossal que ostenta na densa atmosfera alaranjada as mais violetas intempéries da vizinhança solar. A Grande Mancha Vermelha, por exemplo, é uma tempestade que dura há mais de 350 anos e que regista ventos de 432 km/h.

Mas o que as imagens captadas pelo Telescópio James Webb revelam, nem mesmo estando frente a frente com Júpiter se pode enxergar: é “a vida íntima” do maior planeta do Sistema Solar, descreveu a agência espacial norte-americana. E veio à luz graças a uma câmara de infravermelhos que permite ver o invisível.

A Near Infrared Camera (NIRCam) capta a radiação infravermelha nos comprimentos de onda entre os 0,6 e os cinco micrómetros, um intervalo que permite receber a radiação das primeiras estrelas e galáxias do universo. Mas também explorar o universo mais próximo da Terra.

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Como o olho humano não vê no espetro infravermelho, a câmara tem três filtros que traduzem a radiação infravermelha para o espetro da luz visível. Um está mapeado para detetar as cores avermelhadas, outro deteta as cores amareladas e verdes; e um terceiro filtro dedica-se aos tons azuis.

Graças ao primeiro filtro, as auroras nos polos de Júpiter aparecem brilhantes nas fotografias e podemos identificar as nuvens mais baixas da atmosfera do planeta. O filtro dos amarelos e verdes revelam as neblinas que circulam o gigante gasoso junto aos polos. E o filtro dos azuis permite ver as nuvens mais densas.

Nesta composição, a Grande Mancha Vermelha parece branca e brilhante por refletirem muita da luz solar que chega até ela. Aliás, todos os pontos brancos dispersos pela atmosfera de Júpiter são pequenas tempestades densas, que se concentram sobretudo no equador e em altitudes elevadas.

Mas, embora o gigante gasoso seja o grande protagonista da fotografia, não é o único elemento nela: há um “photobomb” na nova imagem da NASA. Nela surgem também os anéis de poeira do planeta, duas luas (Amalteia e Adastreia), a luz que sofreu difração (um desvio ao encontrar um obstáculo) na lua Io e, em pano de fundo, a fraca luz refletida por galáxias distantes.

O telescópio James Webb, projeto de 10 mil milhões de dólares, tem o nome de um antigo administrador da NASA e foi enviado para o espaço em 25 de dezembro, após sucessivos atrasos, num foguetão de fabrico europeu. Está em órbita a 1,5 milhões de quilómetros da Terra.

A astrónoma portuguesa Catarina Alves de Oliveira, que trabalha no Centro de Operações Científicas da Agência Espacial Europeia, em Espanha, é responsável pela calibração de um dos quatro instrumentos do James Webb, participando na campanha de preparação das observações com fins científicos. Vários cientistas portugueses estão envolvidos em projetos de investigação que implicam tempo de observação com o telescópio.