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Aguenta treinar durante 10 dias sem parar para comer ou dormir? Há uma pequena ave que consegue

Este artigo tem mais de 2 anos

Não se preocupe, não se conhece nenhum ser humano capaz de o fazer. O recorde é de uma pequena ave de penas ruivas que se alimenta no lodo — vai do Alasca à Nova Zelândia à procura de bom tempo.

Durante a reprodução, os machos adquirem uns tons ruivos nas penas do peito, pescoço e cabeça
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Durante a reprodução, os machos adquirem uns tons ruivos nas penas do peito, pescoço e cabeça

Andreas Trepte, www.avi-fauna.info

Durante a reprodução, os machos adquirem uns tons ruivos nas penas do peito, pescoço e cabeça

Andreas Trepte, www.avi-fauna.info

De Bragança a Lisboa
São 9 horas de distância
Queria ter um avião
Para lá ir mais amiúde

Assim cantavam os Xutos e Pontapés, “Para ti Maria”, sobre os cerca de 400 quilómetros que separam a capital portuguesa da cidade do interior. Uma distância praticamente insignificante quando comparada com os 11.000 quilómetros que uma ave da família dos maçaricos tem de fazer do Alasca à Nova Zelândia. Tudo sem parar.

Uma não, um bando delas (um grande bando).

É caso para dizer que, faça chuva ou faça sol (ou vento ou qualquer outra intempérie), nada detém os fuselos (Limosa lapponica) de cumprir a sua missão de aproveitar o melhor do verão no hemisfério norte e no hemisfério sul. Ao longo de pouco mais de uma semana (oito a 10 dias) os fuselos (ou chalretas) viajam sem parar para comer, beber ou descansar. Esqueça as ultramaratonas de 24 horas, aqui fala-se de treino ininterrupto durante mais de uma semana e sem “recarregar baterias”.

A evolução da tecnologia, sobretudo nos últimos 15 anos, proporcionou aos investigadores meios para seguirem os voos dos migradores de longas distâncias em tempo real, registando os acontecimentos mais importantes da jornada, destacou o jornal The New York Times.

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Foi assim que descobriram que o fuselo com nome de código 4BBRW era o recordista dos recordistas, com um máximo de 13.000 quilómetros feitos na migração do ano passado — 237 horas de voo sem paragens (quase 10 dias). No caminho para a Nova Zelândia, 4BBRW deparou-se com mau tempo e, sem os contrangimentos das aeronaves, mudou a rota para a Austrália.

A flock of Bar-tailed Godwit landing (Limosa lapponica), Orielton Lagoon, Tasmania, Australia

Um bando de chalretas numa lagoa da Tasmânia (Austrália)

JJ Harrison (https://www.jjharrison.com.au/)

Agora, juntamente com mais de 90 mil chalretas do delta dos rios Yukon e Kuskokwim (junto ao mar de Bering), prepara-se para aproveitar os ventos favoráveis de setembro e outubro rumo ao sul.

Estas aves vão ter de bater as asas ao longo de todo o percurso, ao contrário de outros migradores de longa distância, que aproveitam as correntes para pouparem energia e, literalmente, viajam de asas estendidas. Os andorinhões-comuns, com um recorde distinto, são capazes de se manter em voo (ou a planar) durante cerca de 10 meses, pousando apenas na altura da reprodução. Os andorinhões, porém, comem, bebem e dormem durante o voo.

Os fuselos têm ainda outras adaptações que lhes permitem enfrentar um tão grande gasto de energia. Os órgãos sofrem uma espécie de reorganização interna: as moelas, rins, fígados e intestinos — que não terão qualquer função numa ave que não vai comer na viagem — encolhem e os músculos peitorais, necessários ao esforço de voo, aumentam. O único peso extra é gordura que será a fonte de energia durante a viagem.

O regresso ao Alasca, em março, é mais longo: voam sem parar até ao mar Amarelo, na China, onde reabastecem, e depois seguem para o Alasca. No total, são cerca de 30.000 quilómetros todos os anos, desde os três meses e ao longo dos seus 15 a 20 anos de vida. Sim, é que além de recordistas de distância são incrivelmente bem sucedidos nas viagens: cerca de 90% chega ao destino.

Rota migratória das subespécies de chlareta

Consoante o local do globo onde se reproduzem (manchas a vermelho) diferentes serão as rotas (setas azuis) para os locais onde passam o inverno (manchas azuis) e as rotas de regresso (setas vermelhas). Em cada área geográfica vive uma subespécie diferente, a do Alaska é a Limosa Lapponica baueri (segunda a contar da esquerda)

Onioram

Apesar de o conhecimento sobre estes migradores ter aumentado, muito está ainda por descobrir: como se orientam numa viagem tão longa e sem referências físicas (além de um vasto oceano); como preveem as condições meteorológicas favoráveis à viagem; como gastam menos energia do que qualquer modelo consegue prever; como respiram em altitudes elevadas onde o ar é tão rarefeito; como conseguem dormir com parte do cérebro como outros animais. A equipa de Theunis Piersma, investigador na Universidade de Groningen (Países Baixos), juntou num artigo científico 11 perguntas relevantes sobre o comportamento, capacidades fisiológicas e mecanismos de adaptação destas aves com capacidades migradoras incríveis.

“Nesta revisão, concentramo-nos no que não sabemos e no potencial de investigação científica futura”, referem os autores no artigo publicado na revista científica Ornithology. “Fazemos um breve resumo do que faz da bacia do Pacífico um incrível palco de migrações e oferecemos informação sobre as aves costeiras que atravessam regularmente a sua vasta e complexa paisagem aérea em voos espetaculares.”

De Bragança a Lisboa (ou mais para sul, para a ria Formosa), também podemos ver os fuselos, mas não os do Alasca. De outubro a fevereiro, esta espécie aproveita o inverno ameno (entre outubro e fevereiro) como local de paragem ou de passagem, nos estuários e lagoas de Portugal continental.

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