Após ser noticiado o caso dos fundos comunitários recebidos pelo marido, a ministra da Coesão já tinha chorado numa comissão, mas evitado responder a deputados e jornalistas sobre o assunto. Após dias de silêncio, esta segunda-feira Ana Abrunhosa escreveu um artigo no jornal Público em que defende que uma mudança da lei para impedir familiares de ministros de concorrer aos fundos comunitários aumentaria o “clima de desconfiança” sobre a classe política e seria uma “supressão de direitos”. A governante escreve ainda que querem fazer do marido um “cidadão de segunda” e defende-se de várias acusações — incluindo algumas que não lhe foram feitas.

Ana Abrunhosa começa por dizer que houve notícias que “deixaram propositadamente no ar a insinuação” de que o marido só recebeu os fundos por ser casado com a governante e que sempre agiu com “legalidade”. Ora, a primeira notícia, do Observador, dizia precisamente que a atribuição de fundos era legal, mas destacava a “obscuridade da lei” referida por um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o assunto.

Mais uma vez — como tinha feito António Costa no debate de política geral na Assembleia da República — Ana Abrunhosa ignorou por completo a referência à “obscuridade da lei” ao longo do artigo de opinião que escreveu para o diário. Isto quando o próprio grupo parlamentar do PS, por via do vice-presidente da bancada Pedro Delgado Alves, já manifestou disponibilidade para “aprimorar” a lei, tal como outros partidos que admitem alargar as restrições que existem para a contratação pública a familiares que recebam fundos comunitários.

A ministra manifesta-se ainda, no mesmo artigo no jornal Público, contra a mudança da lei. A governante diz que “se de facto se considerar justo que familiares de governantes fiquem inibidos de direitos, como o de apresentarem candidaturas a apoios europeus que estão disponíveis a todos os portugueses e em cujos processos de decisão os governantes não têm qualquer participação, então é necessário mudar a lei.” Mas, no entender de Ana Abrunhosa, isso seria “ampliar ainda mais um quadro de supressão de direitos e a alimentar um clima de desconfiança e permanente suspeita sobre a classe política”.

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A ministra diz depois no mesmo artigo — como já tinha referido em declarações enviadas ao Observador antes da saída do artigo — que não acompanha os negócios do cônjuge. Ora, o próprio marido disse ao Observador o seguinte: “Neste caso concreto, embora não consiga precisar a data, falámos sobre o assunto, quando o consórcio que integra uma empresa de que faço parte decidiu candidatar-se a apoios comunitários”. A própria admite mais à frente, no texto publicado esta segunda-feira, que teve conhecimento deste negócio em particular: “Quando o caso em apreço me foi comunicado…”

Ana Abrunhosa escreve também que as CCDR “não dependem, como agora se fez crer em vários órgãos de comunicação, de qualquer análise prévia ou homologação da tutela”. O parecer que a própria ministra pediu à PGR diz, no entanto, que a competência das autoridades de gestão dos Programas Operacionais Regionais (que são as CCDR) “não deve considerar-se exclusiva, mas, ainda que por hipótese o fosse, ocorre uma grande diferença entre competência exclusiva e competência independente”. E acrescenta: “Independente é apenas a competência exercida sem condicionalismos hierárquicos”.

Sobre o facto de a empresa do marido ter sido criada 15 dias antes do início do projeto, a ministra da Coesão explica que o marido e os sócios “não detinham uma sociedade com o objeto social do que pretendiam desenvolver (comércio por grosso de produtos farmacêuticos)” e por isso “constituíram uma empresa com o CAE adequado”. A prática, alerta a ministra, “contrariamente ao que foi dito, é absolutamente comum no mundo empresarial, sempre que se lançam atividades novas”. Apesar de falar nos sócios do marido, Ana Abrunhosa nada diz sobre a notícia que aponta que na constituição dessa empresa estava um sócio que tinha sido, meses antes condenado por corrupção.

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O texto da ministra vai ao ponto de esclarecer que 133 mil euros não são “centenas de milhares de euros”. Ana Abrunhosa queixa-se também de não ter sido consultado o facto de o marido “também ter sido notificado de não-aprovação de uma outra candidatura, de outra empresa, onde ele também tem participação e é administrador”. Mais uma vez este facto está referido na notícia original do Observador, de 27 de setembro, com o marido a dizer que essa mesma candidatura foi “infelizmente” indeferida.

A ministra termina o texto a sugerir que estão a querer tornar o cônjuge um cidadão de segunda: “À mulher de César nunca bastou ser séria, sempre teve de parecer. Mas o problema não é esse. É quando queremos que César deixe de ser César e se torne um cidadão de segunda.”