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Dezanove quilómetros de comprimento e maior em altura do que a Estátua da Liberdade. É assim a ponte de Kerch, que liga a península da Crimeia ao território russo, e que este sábado foi atingida por uma explosão de grandes dimensões que deixou parte da estrutura em chamas.

As circunstâncias em que a explosão aconteceu ainda estão por esclarecer, mas já há uma certeza: é um abalo forte num dos mais importantes símbolos da ocupação russa — e num dos projetos em que Vladimir Putin tinha apostado as suas fichas.

A ponte foi, de resto, inaugurada em maio de 2018 com pompa e circunstância pelo próprio Presidente russo, que abriu a circulação no tabuleiro para carros conduzindo, ele próprio, um camião. E “é difícil exagerar quanto à sua importância”, garante este sábado uma análise publicada pela BBC, frisando que foi construída como uma afirmação de que “a Crimeia era russa”.

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Descrita na imprensa russa, na altura, como a “construção do século”, a importância da ponte era então sublinhada por Putin, como recorda o The Guardian: “Em diferentes épocas históricas, mesmo na época do czarismo, houve quem sonhasse construir esta ponte. Depois voltaram à ideia nos anos 1930, 1940, 1950. E agora, graças ao vosso trabalho e ao vosso talento, o milagre aconteceu”.

Como o jornal escreve, estava inaugurada a “jóia da coroa” não só de Putin, mas da própria ocupação russa da Crimeia — que tinha começado em 2014 precisamente com a anexação, considerada ilegal pela esmagadora maioria dos países, da península.

O símbolo da ocupação materializava-se assim numa ponte longa — supera em comprimento a Ponte Vasco da Gama, em Lisboa — e cara, envolvendo um investimento de 3,7 mil milhões de euros.

Explosão pode dificultar envio de munições para a Rússia

A importância da ponte de Kerch, conhecida também como ponte da Crimeia, é, no entanto, tão simbólica quanto prática. É que a estrutura garantia também a ligação por terra da península ao território russo, o que permitia facilitar o envio de munições às tropas russas, razão pela qual tem estado sob forte proteção e vigilância russa desde o início da guerra: a ligação também pode ser feita através de ferries ou passando por território ucraniano (não anexado), mas a ponte tornava mais rápido e eficaz o envio desses materiais.

Embora não estejam ainda esclarecidas as circunstâncias em que a explosão aconteceu — os russos começaram por falar num “camião-bomba”, mas Putin já ordenou a criação de uma comissão governamental para investigar o incidente — é certo que os responsáveis russos já antecipavam que a ponte pudesse tornar-se um alvo da Ucrânia durante a guerra. A ponte é “particularmente odiada” pela Ucrânia pelo seu simbolismo, nota a BBC, na análise já citada.

Como recorda o Guardian, em abril o antigo Presidente russo, Dmitry Medvedev, já tinha avisado que os generais ucranianos estariam a falar em atingir a ponte, dizendo “esperar que soubessem” que haveria retaliação.

Agora, em plena contra-ofensiva ucraniana, a Rússia está convencida de que foi isso mesmo que aconteceu: a agência russa Interfax cita declarações do governador da Crimeia indicado pelo regime de Putin, Vladimir Konstantinov, que reagiu criticando os “vândalos ucranianos” que terão atingido a ponte com as suas “mãos sangrentas”. “Agora, têm alguma coisa da qual podem estar orgulhosos. Em 23 anos de atividade económica não conseguiram construir nada digno de atenção na Crimeia”.

Ainda assim, o responsável russo garantiu que a destruição não é de grandes proporções — uma informação que ainda não é clara e que é contrariada pelo lado ucraniano, que garante que o transporte de munições e pessoal para as tropas russas será claramente dificultado.

“Parabéns, senhor Presidente”

Para a Ucrânia, que não reivindicou oficialmente responsabilidade pela explosão, a importância simbólica do incidente, pelo menos, está garantida. Durante toda a manhã, sucederam-se as celebrações nas redes sociais, incluindo de altos responsáveis do Governo.

O líder parlamentar do partido de Zelensky apressou-se a dizer que a “construção ilegal da Rússia está a começar a cair e a pegar fogo. A razão é simples: se constróis algo explosivo, vai explodir mais tarde ou mais cedo”, disse David Akarhamia no Telegram.

Noutro sinal, se não de revindicação, pelo menos de celebração, o conselheiro presidencial Mykhailo Podolyak fez questão de partilhar uma fotografia da ponte em chamas com a legenda “Crimeia, a ponte, o início”, prosseguindo em tom de ameaça: “Tudo o que é ilegal deve ser destruído, tudo o que foi roubado deve ser devolvido à Ucrânia, toda a ocupação da Rússia deve ser expulsa”.

E também houve lugar para a ironia. No Twitter, o secretário do Conselho de Segurança e Defesa da Ucrânia, Oleksiy Danilov, partilhou um vídeo que mostra, por um lado, a explosão na ponte e, por outro, a famosa atuação de Marilyn Monroe a cantar os parabéns ao presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy. A referência não é inocente: Putin celebrou o seu 70º aniversário ontem.

Resta saber as consequências que a explosão de parte da ponte — que ficou em parte inutilizada, envolta em colunas de fumo, como mostram os vídeos divulgados nas redes sociais durante esta manhã — trará, numa fase da guerra em que a Ucrânia se esforça por recuperar terreno.