Não faz exercício físico porque não tem tempo? Essa desculpa vai deixar de servir à luz dos resultados de dois artigos publicados este mês na revista científica European Heart Journal: atividades físicas mais intensas, ainda que mais curtas (quaisquer que sejam), continuam a reduzir o risco de morte por qualquer causa ou o risco de doenças cardiovasculares.
Suba as escadas em vez de ir de elevador e, se já o faz, experimente correr ou saltar degraus. Pegue nos ténis e não no carro para ir à padaria ou fazer compras pequenas. E em vez de levar o cão a passear, corra com ele. São alguns dos exemplos de atividades do dia a dia que podem aumentar a energia gasta, sem obrigarem a gastar mais horas no ginásio.
Que tipo de exercício fazer, durante quanto tempo seguido ou acumulado numa semana e qual a intensidade são assuntos que continuam em discussão, mas sobre uma coisa não restam dúvidas: mantermo-nos ativos fisicamente melhora a qualidade de vida e traz ganhos em termos de saúde global. Agora, será que mais vigoroso significa menos risco de morte e doenças cardiovasculares?
Um terceiro artigo publicado na mesma revista científica, que analisa os dados apresentados pelos outros dois, destaca o interesse das abordagens feitas e dos resultados obtidos — que respondem sim à pergunta anterior —, mas aponta também as limitações e recorda que as orientações de saúde pública têm de basear-se em conclusões robustas e que sejam confirmadas por vários métodos diferentes. Estas abordagens abriram um novo caminho que ainda precisa ser percorrido.
As recomendações atuais para a atividade física baseiam-se na ideia de que tanto a lebre como a tartaruga podem vencer a corrida por uma saúde melhor, mas os estudos provocadores nesta edição dão uma vantagem à abordagem de maior intensidade da lebre”, escreveram Charles E. Matthews e Pedro F. Saint-Maurice, da área de Epidemiologia Metabólica do Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos.
A equipa norte-americana usou a lebre e a tartaruga da fábula de Esopo para representar a atividade física de elevada intensidade, como a corrida veloz da lebre, e uma atividade menos intensa, como a caminhada lenta mas consistente da tartaruga. Para os autores dos outros dois estudos, a lebre ganha a corrida na redução do risco de morte por qualquer causa e no risco de doença cardiovascular.
Mas já na fábula a tartaruga tinha mostrado que “devagar se vai ao longe”, portanto é importante andar a pé — se não for rápido, mais devagar —, como deixa clara a meta-análise da Cochrane (que avalia a qualidade da evidência na área da saúde). “Existe um grande número de revisões sistemáticas da Cochrane que avaliam a eficiência da atividade física ou exercício. As evidências sugerem que a atividade física e exercício reduzem as taxas de mortalidade e melhoram a qualidade de vida com preocupações de segurança mínimas ou inexistentes”, de acordo com os resultados publicados em 2020 na revista científica BMC Public Health.
Trocar um passeio de 14 minutos por uma caminhada rápida de sete
Num dos trabalhos científicos, os investigadores das universidades de Leicester e Cambridge, no Reino Unido, pegaram numa base de dados (do UK Biobank) de mais de 88 mil adultos britânicos de meia idade. Este grupo não tinha doenças cardiovasculares prévias e uma das condições era que tivesse usado um acelerómetro de pulso durante sete dias seguidos. Estes acelerómetros fazem o registo da atividade, como o número de passos ou a velocidade a que caminha ou corre, e com os dados de uma semana os investigadores estimaram a energia despendida nesse período.
Avaliando a evolução da saúde destes adultos ao longo de sete anos (em média), a equipa coordenada por Paddy C. Dempsey, do Centro de Investigação Biomédica de Leicester, concluiu que mais energia despendida em cada dia e maior intensidade nas atividades realizadas estavam associadas a um menor risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares nesse período — mas só a partir de um certo grau de intensidade.
Mulheres que fazem hidroginástica têm menor probabilidade de doença cardiovascular
A equipa britânica verificou que a prevalência de doenças cardiovasculares foi entre 5 e 23% (média de 14%) mais baixa quando a percentagem de atividade física de intensidade moderada a vigorosa era maior. “O que equivale a converter um passeio de 14 minutos numa caminhada rápida de 7 minutos”, afirmam.
Charles E. Matthews e Pedro F. Saint-Maurice acautelam, no entanto, para esta tradução direta para o contexto real das pessoas. A equipa norte-americana destaca os métodos rigorosos usados, mas recomenda que o modelo considere outros fatores que expliquem os resultados. Por exemplo, a equipa britânica não esclareceu porque é que não havia redução do risco quando a percentagem de atividade moderada a vigorosa era baixa, mesmo que a energia gasta ao longo do dia fosse mais alta do que no caso ilustrado em cima.
No mínimo 15 minutos de atividade física intensa ao longo de uma semana
No outro trabalho científico, a equipa multinacional também recorreu aos dados do UK Biobank de quase 72.000 adultos entre os 53 e 68 anos que usavam acelerómetro de pulso. Neste caso, a equipa de Matthew N. Ahmadi, investigador na Faculdade de Medicina e Saúde da Universidade de Sydney (Austrália), usou o tempo total das atividades físicas muito intensas e a frequência deste tipo de atividades de curta duração (menos de dois minutos).
Depois de estimar que o risco de morte para este grupo era entre 3 e 5% em cinco anos, depois da data inicial da experiência, os investigadores estimaram que o ideal é que cada pessoa consiga fazer entre 50 a 57 minutos de atividade física intensa por semana para reduzir o risco de morte por qualquer causa, por doenças cardiovasculares ou por cancro. Mas quanto mais melhor: acima de 60 minutos por semana, o risco de morte era de 1,10% em cinco anos.
A equipa multinacional também avaliou qual era o tempo mínimo admissível para se conseguir metade dos benefícios associados ao tempo de atividade física vigorosa ideal e concluiu que são precisos, pelo menos, 15 minutos por semana no caso da morte por qualquer causa ou por cancro e entre 16 a 22 minutos no caso da morte associada a doenças cardiovasculares.
Estas atividades físicas de intensidade vigorosa podem ser feitas em momentos de curta duração, de dois minutos ou menos, defendem os autores. Mas para que os efeitos no risco de morte sejam notados têm de ser pelo menos 10 desses momentos ou, idealmente, 27. Subir as escadas do metro a correr ou acelerar o passo para chegar ao trabalho podem ajudar a cumprir este objetivo.
Os autores sugerem assim que os resultados podem ser integrados nas orientações de saúde pública no que diz respeito aos cuidados preventivos. A equipa norte-americana que comentou o estudo concorda que “os resultados sugerem benefícios impressionantes para tempos muito curtos de atividade física de alta intensidade” e admite que, caso se confirmem, “a lebre ganharia claramente esta corrida”.
O problema está precisamente na confirmação: só com resultados consistentes baseados em vários trabalhos de investigação, e que usem métodos diferentes, é que se poderá fazer alterações às recomendações de saúde pública ou prática clínica.
São necessários mais estudos para examinar a consistência destas novas descobertas em outros grupos populacionais ou utilizar uma gama de métodos analíticos diferentes e utilizar algoritmos de previsão rigorosamente desenvolvidos e validados com base nos acelerómetros”, defendem Charles E. Matthews e Pedro F. Saint-Maurice.
Os trabalhos agora apresentados e outros analisados anteriormente, como os já referidos na meta-análise da Cochrane, apresentam sempre uma diminuição do risco de morte, ainda que essa possa variar consoante o grupo populacional. A análise feita pela Cochrane acrescenta: “Tanto os indivíduos saudáveis como as pessoas doentes podem melhorar a função e a saúde física e mental, assim como reduzir a dor e as limitações físicas ao exercitarem-se mais”. Mais interessante foi a verificação de que o benefício “era a maior entre os doentes com problemas de saúde mental”.
Para melhorar os trabalhos de investigação relacionados com a atividade física, a equipa que fez a revisão para a Cochrane recomenda que se faça um melhor registo de quem mantém o exercício ou desiste (e porquê) e de quem sente dores ou desconforto com a prática. Outra das dificuldades dos trabalhos deste tipo é que, muitas vezes, as intervenções relacionadas com a atividade física também incluem mudanças na dieta, comportamentos e estilo de vida, o que torna difícil dizer a que se devem os resultados.
Mais de 70% dos portugueses não faz exercício físico
Os portugueses são os cidadãos europeus que menos se exercitam ou fazem desporto — ou aqueles que não valorizam a atividade física que é desenvolvida em atividades do dia a dia, como jardinar ou limpar a casa, e por isso não a contabilizam.
Os resultados do Eurobarómetro para o Desporto e Atividade Física publicado em setembro deste ano revelam que 73% dos portugueses nunca se exercitam ou praticam desporto, 5% diz que o faz “raramente” e apenas 4% fazem exercício “regularmente” ou 18% “com alguma regularidade”.
Maioria dos portugueses não se exercitam ou praticam desporto
Em 2019, o Inquérito Nacional de Saúde também já tinha identificado percentagens elevadas de sedentarismo, com 65% dos inquiridos (com 15 ou mais anos) a dizer que nunca pratica qualquer tipo de exercício físico e 63% a dizer que passam mais de seis horas sentados por dia. Apenas 9% das pessoas disse fazer exercício cinco dias por semana.
À medida que a idade avança, a prática de exercício físico diminui, com percentagens acima dos 70% para os inquiridos com mais de 55 anos. O relatório mostra ainda que, para qualquer uma das faixas etárias analisadas, a proporção de mulheres que nunca pratica exercício é maior do que nos homens.
O Plano de Ação Nacional para a Atividade Física (PANAF) do Governo português pretende aumentar os níveis de atividade física dos portugueses. Entre outras coisas, “o PANAF deve colmatar a redundância e a ineficiência no planeamento e alocação de recursos para a implementação de iniciativas de vigilância e de promoção da atividade física”.
Cerca de 500 milhões de pessoas podem sofrer de doenças devido à inatividade física
Desta forma, pretende-se também dar resposta às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para 2018-2030 que têm como mote “Cada movimento conta”. No entanto, os progressos têm sido lentos. A OMS diz que a generalidade dos países precisa de “acelerar o desenvolvimento e a implementação de políticas para aumentar os níveis de atividade física”, como forma de prevenir doenças e reduzir os encargos para os sistemas de saúde já sobrecarregados. O organismo internacional destaca também que poucos são aqueles que fazem promoção e avaliação da atividade física a partir dos cinco anos.
“Embora quase todos os países reportem um sistema de monitorização da atividade física em adultos, 75% dos países monitorizam a atividade física entre adolescentes e menos de 30% monitorizam a atividade física em crianças com menos de 5 anos”, refere o documento citado pela Lusa.
O plano de ação global da OMS sobre a atividade física 2018-2030 (GAPPA) estabelece 20 recomendações, entre as quais a criação de vias seguras para incentivar transportes ativos, assim como o desenvolvimento de programas para a atividade física em ambientes considerados fundamentais, como creches, escolas, cuidados de saúde primários e locais de trabalho.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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