O próximo Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deverá tomar posse do cargo no dia 1 de janeiro de 2023, assumindo a presidência brasileira pela terceira vez na sua vida (após dois mandatos entre 2003 e 2011), depois de derrotar Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do último domingo.

Até lá, as instituições públicas brasileiras terão de passar por um processo de transição governativa que, sem a colaboração de Jair Bolsonaro, poderá ser bastante complexo.

Durante os meses de novembro e dezembro, vão coexistir no Brasil duas figuras: a de Jair Bolsonaro, que ainda é o Presidente da República em funções e, por isso, o chefe de Estado; e a de Lula da Silva, que é o Presidente eleito e que, embora ainda não tenha tomado posse, já é reconhecido formalmente como o próximo chefe de Estado, tendo um papel concreto que lhe é reconhecido pela lei brasileira.

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A expectativa habitual é a de que a democracia funcione e o processo de transição decorra tranquilamente, sem percalços ou atritos. Mas este ano a situação poderá ser diferente, caso Jair Bolsonaro decida não colaborar com o processo transitório e as tensões entre os dois homens, que ficaram bem evidentes durante os meses que antecederam a eleição, sejam obstáculos à transição pacífica.

A primeira situação com potencial para gerar desconforto foi conhecida na terça-feira: o governo egípcio, anfitrião da próxima edição da conferência das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP27), convidou Lula da Silva para participar na cimeira, que decorre nas próximas duas semanas em Sharm El Sheikh.

Lula, que fez do clima um dos grandes temas da sua campanha — especialmente tendo em conta as grandes diferenças de posicionamento relativamente a Bolsonaro no que toca à proteção da Amazónia —, aceitou o convite e deverá mesmo estar no Egipto.

Paralelamente, o Brasil vai enviar uma delegação oficial (provavelmente sem Bolsonaro, que também faltou à cimeira no ano passado), mas a imprensa brasileira nota que o convite feito a Lula da Silva mostra que a comunidade internacional já não quer o governo de Bolsonaro como interlocutor no que toca às alterações climáticas.

Para já, a postura de Bolsonaro dá razões ao Partido dos Trabalhadores (PT) para temer a falta de colaboração por parte do atual Presidente. Bolsonaro demorou cerca de 48 horas a pronunciar-se pela primeira vez em público sobre o resultado das eleições que perdeu — e, num curto discurso de dois minutos, não mencionou o nome de Lula da Silva nem assumiu claramente a derrota.

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Apesar do silêncio de Bolsonaro, algumas das figuras-chave do atual governo já se pronunciaram a favor de uma transição pacífica. O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, deu esta quarta-feira uma entrevista ao jornal Globo a garantir que “já está estendida a ponte para que a transição seja executada”.

“Nós concordamos em participar de um jogo em que o outro jogador [Lula] não deveria estar jogando. Mas se a gente concordou, não há mais do que reclamar. A partir daí, não adianta mais chorar, nós perdemos o jogo”, disse Mourão ao Globo.

Na noite de terça-feira, o chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira, afirmou publicamente que Bolsonaro já tinha autorizado formalmente o início do processo de transição — embora continuasse em silêncio sobre o adversário.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, admitiu que poderia haver dificuldades nos contactos com a atual Presidência, mas garantiu que o partido pretendia seguir o percurso legalmente estipulado: “Temos responsabilidade com o país e queremos fazer com que a coisa seja mais tranquila e razoável possível”, disse esta terça-feira.

O período de transição governativa é detalhadamente regulamentado pela lei brasileira, que determina que este período começa oficialmente no momento da proclamação do resultado eleitoral (o que aconteceu no domingo pela voz do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes) e termina no dia da posse do novo Presidente.

Durante este período, o Presidente eleito deve começar a inteirar-se de todos os assuntos em curso no gabinete do Presidente cessante e pode começar logo a preparação das suas primeiras iniciativas presidenciais, que devem ser publicadas na sequência da tomada de posse.

Para o auxiliar neste processo, o Presidente eleito pode formar uma equipa de transição, que trabalha em contacto próximo com a equipa do Presidente cessante e que recebe os dossiês, para começar a preparar o trabalho do novo chefe de Estado garantindo que não há rupturas nos processos em curso. O chefe da Casa Civil do Presidente cessante é, por inerência, o responsável pela articulação com a equipa de transição.

No caso concreto de Lula da Silva, já se sabe que a equipa de transição será liderada pelo antigo governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que será o vice-presidente de Lula. Habitualmente, o Presidente eleito escolhe para integrar a sua equipa de transição várias figuras que, depois, continuam no governo como ministros ou secretários. Desta equipa podem fazer parte até cinquenta elementos, que são equiparados a funcionários públicos e recebem um salário de acordo com as posições.

Segundo a lei, os titulares de órgãos públicos e entidades da administração pública federal são “obrigados a fornecer as informações solicitadas” pelo coordenador da equipa de transição, “bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos”. A atual Presidência da República também tem a obrigação de ceder a Lula da Silva infraestruturas para o trabalho preparatório dos próximos dois meses.

Apesar destas garantias legais, a imprensa brasileira tem dado conta de alguns receios nos bastidores do PT. O partido de Lula tem medo de que o executivo de Bolsonaro possa realizar alguma manobra de sabotagem e até estará em contactos informais com vários funcionários dos 23 ministérios do governo brasileiro para obter dados sobre o funcionamento do governo caso pela via oficial a informação não seja corretamente passada. Terá, até, havido vários funcionários públicos a oferecerem-se para ajudar a equipa de Lula com informações para evitar os possíveis boicotes promovidos por Bolsonaro.

Além do trabalho político e técnico preparatório, os dois meses que se seguem incluem também alguns ritos formais, incluindo a chamada “diplomação”, momento agendado para o dia 19 de dezembro em que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral vai assinar e entregar a Lula da Silva o documento que comprova a eleição.