Os autores de um estudo sobre a sustentabilidade e resiliência do sistema de saúde que vai ser apresentado esta quarta-feira sugerem a adoção de orçamentos plurianuais no Serviço Nacional de Saúde para mitigar o “subfinanciamento crónico”.

“Desta forma, existiria estabilidade financeira e continuidade dos investimentos, independentemente dos ciclos políticos ou dos mandatos dos órgãos de gestão”, defendem os peritos, na lista de mais de 40 recomendações elaboradas por mais de 30 peritos de várias áreas da saúde.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre possíveis soluções para os problemas nas urgências.

Há remédio para as urgências?

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Sugerem igualmente a revisão do sistema de contratualização e financiamento das unidades de prestação de cuidados dos setores público, privado e social, sublinhando a necessidade de rever os indicadores utilizados, “proporcionando autonomia e responsabilização dos gestores”, assim como de “premiar aquelas unidades de cuidados contratualizadas que têm melhor desempenho nos resultados em saúde”.

“Deve-se privilegiar os indicadores de resultado em detrimento dos indicadores de processo”, sublinha o grupo de peritos, que inclui nomes como o do antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, Maria do Céu Machado, que foi Alta Comissária para a Saúde e dirigiu o Infarmed entre 2017 e 2019, ou o antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides.

O trabalho foi desenvolvido no âmbito da Parceria para a Sustentabilidade e Resiliência dos Sistemas de Saúde (PHSSR), uma colaboração global criada em 2020 pela London School of Economics and Political Science, pelo Fórum Económico Mundial e pela AstraZeneca.

Os peritos recomendam ainda o fim do atraso dos pagamentos aos fornecedores do SNS, lembrando que Portugal “está na cauda da Europa, apresentando prazos médios de cerca de 250 dias”.

“Recomenda-se uma abordagem similar à adotada pelo Governo de Espanha em 2016, ou seja, a criação de um plano efetivo de pagamento a fornecedores que resolveu em definitivo as dividas hospitalares”, sugerem.

As 43 recomendações para melhorar a sustentabilidade e resiliência do sistema de saúde estão divididas em várias vertentes: governança, financiamento, recursos humanos, medicamentos e outras tecnologias da saúde, prevenção e cuidados de saúde, saúde populacional e sustentabilidade ambiental.

Na área dos recursos humanos, sugerem um melhor planeamento dos recursos humanos no setor da saúde, sublinhando a necessidade de concretizar o Inventário Nacional de Profissionais de Saúde e, com este instrumento, “criar uma unidade que se dedique exclusivamente ao planeamento e valorização do capital humano do SNS”.

“A melhoria do planeamento é essencial para garantir a adequada capacidade em termos de recursos humanos e adaptar a atual força de trabalho aos novos modelos de prestação de cuidados”, explicam.

Sugerem ainda uma distribuição “apropriada e adequada” dos profissionais de saúde, com o desenvolvimento de estratégias de recrutamento, retenção e estabilidade, que passam igualmente pelo “alargamento do reconhecimento remuneratório ligado ao desempenho” e pela responsabilização das equipas pelos resultados.

Recomendam igualmente melhores condições de trabalho para os profissionais de saúde, dando exemplos de aspetos a melhorar para conseguir fixar recursos humanos: alteração do regime horário, aumento da flexibilidade, remuneração por objetivos e desempenho, tempo dedicado a investigação e carreira académica e melhoria das condições do local de trabalho.

Aumentar o reconhecimento e integrar nas equipas de profissionais de saúde recursos humanos, para além dos médicos e enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de saúde e diagnóstico e secretários clínicos é outra das sugestões.

“As equipas de saúde são compostas de médicos e enfermeiros, mas também outros profissionais da área da saúde. É necessário mapear estes profissionais de saúde e as suas competências/habilitações de forma a identificar a que nível e por quem podem ser prestados os vários cuidados, da forma mais eficiente e segura”, recomendam.

No estudo também é defendida uma maior aposta na prevenção da doença, investindo nos rastreios de base populacional e no diagnóstico precoce.

Além da aposta na prevenção, para “manter a população saudável o máximo de tempo possível da sua vida”, os peritos recomendam igualmente um investimento nos cuidados de saúde domiciliários e na saúde digital associada a esses cuidados.

“Não só para libertar recursos dos hospitais, mas também porque o tratamento e a recuperação no habitat natural é mais benéfico para os doentes”, acrescentam, lembrando que existem soluções tecnológicas de produtos e de serviços de monitorização remota que deverão ser potencializadas e utilizadas nestes casos.

Os especialistas apontam ainda para a necessidade de desenvolver e fortalecer a literacia das populações, promovendo estratégias de prevenção da doença.

É necessária uma resposta robusta e transversal, só possível através de uma gestão integrada de recursos e de uma articulação entre os diversos setores (público, privado, social e cooperativo) que trabalham na área da Saúde”, consideram.

O foco deverá ser “uma sociedade mais saudável e resiliente”, defendem os peritos, lembrando que, atualmente, menos de 1% do orçamento da saúde é investido a impedir a doença. Isto “mostra que o sistema não está apto a dar resposta às tendências epidemiológicas atuais”, insistem.

O grupo de peritos, que envolveu especialistas como o antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, Maria do Céu Machado, que foi Alta Comissária para a Saúde e dirigiu o Infarmed entre 2017 e 2019, e o antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides, entre outros, defende igualmente a promoção de campanhas intersetoriais – envolvendo Saúde e Educação – para promover a literacia do cidadão sobre os fatores de risco modificáveis.

“Numa perspetiva de médio e longo prazo, a literacia do cidadão sobre como promover a sua saúde e prevenir a doença, afigura-se como essencial para, não só melhorar a sua qualidade de vida, mas também para reduzir a necessidade de recurso aos serviços de saúde, libertando meios para as situações que não se conseguem evitar ou prevenir, nomeadamente as relacionadas com doenças crónicas”, escrevem.

Aprofundar a dimensão local da prestação de cuidados de saúde, através da descentralização, e concretizar o Registo de Saúde Eletrónico (RSE) em todo o sistema de saúde são outras das recomendações.

Este sistema único de recolha, armazenamento e gestão da informação de saúde dos utentes permitiria aceder, em qualquer ponto do sistema de saúde, àquela informação e em tempo útil, aumentando a eficácia dos cuidados e evitando redundâncias como, por exemplo, a duplicação de exames.

“A proliferação de diferentes sistemas de gestão de informação sobre a saúde dos utentes sem que seja assegurada a sua interoperacionalidade gera muita ineficiência, desconforto para o utente, muito desperdício, com duplicação de exames e consultas e, por vezes, desconhecimento sobre informação essencial para a melhor prestação de cuidados em situações de urgência ou emergência”, sublinham.

Os peritos sugerem ainda que se torne os Cuidados de Saúde Primários “mais resolutivos”, dando-lhes maior capacidade de resposta e diversidade de serviços.

Outra das recomendações para um sistema de saúde mais sustentável e resiliente para pela aposta na promoção de saúde, com programas de exercício físico e de alimentação saudável, por exemplo, para permitir controlar fatores de risco e retardar ou evitar o aparecimento de doenças.

No domínio da Saúde Populacional, recomendam ainda que se mapeie as causas associadas à “fraca qualidade de vida da população com mais de 65 anos”, identificando ações específicas para melhorar a qualidade de vida desta população, e que se regule atividades e práticas comerciais que afetam a saúde, como a publicidade e o fácil acesso a produtos nocivos como o tabaco ou o álcool.

Na área da sustentabilidade ambiental, os peritos recomendam uma redução da obsolescência dos equipamentos médicos hospitalares. Falam igualmente na redução de desperdício e na incorporação de mecanismos de contratualização, sejam estes incentivos ou obrigações, associados ao desempenho da sustentabilidade ambiental.