A proposta da Presidência checa do Conselho da UE para a regulação do trabalho nas plataformas digitais (por exemplo, Uber ou Bolt) não teve luz verde dos ministros da UE com a pasta do emprego e acabou rejeitada por maioria no conselho de ministros europeu desta quinta-feira. Portugal votou contra, ao lado de países como Espanha, por considerar a proposta conservadora e pouco ambiciosa na proteção dos trabalhadores.
Na sua intervenção, durante a reunião, a ministra portuguesa do Trabalho, Ana Mendes Godinho, destacou os pontos em que Portugal não concordava com a proposta da Presidência checa. Desde logo, o facto de ter aumentado — face à proposta de diretiva da Comissão Europeia — de dois para três o número de indícios necessários para que seja reconhecido um vínculo de trabalho dependente a um trabalhador da plataforma.
“O aumento dos critérios para aplicação da presunção, aliada à derrogação genérica prejudicam a aplicação da presunção, põe em causa o reconhecimento dos trabalhadores como tal e a segurança jurídica no território da União, gerando confusão no sistema jurídico”, defendeu a ministra. Mendes Godinho pediu uma “presunção clara, robusta e eficaz com critérios que reflitam o efetivo exercício de poderes laborais e permitam distinguir os trabalhadores das plataformas dos verdadeiros prestadores de serviço”.
Portugal esteve ainda contra uma nova cláusula acrescentada recentemente pela Presidência checa como cedência a outro grupo de países, que esclarecia que a presunção legal não se deve aplicar aos procedimentos fiscais, penais e relacionados com a Segurança Social (a menos que os países o quisessem). “É fundamental garantir que a presunção se aplica de forma harmonizada aos procedimentos criminais, fiscais ou de Segurança Social, garantindo os mesmos direitos para todos os trabalhadores”, disse ainda Ana Mendes Godinho.
A Presidência checa também propõe que quando a plataforma contesta a decisão de reconhecimento do vínculo, os procedimento legais não tenham um efeito suspensivo, mas Portugal critica esta opção. “A existência de uma proibição de efeito suspensivo é essencial à eficácia real da diretiva sem o qual se frustram os objetivos que levaram a sua redação em primeiro lugar”, referiu.
Para a ministra, a proposta apresentada pela Comissão em dezembro do ano passado “respondia de forma equilibrada às necessidades dos trabalhadores sem pôr em causa a atividade das plataformas”. Já o texto da Presidência checa “não responde às necessidades reais de milhões de trabalhadores”.
“Esta não é uma proposta equilibrada que responda às necessidades reais dos milhões de trabalhadores que esperam pela nossa ação e que precisam urgentemente desta diretiva. Portugal não pode apoiar porque estaríamos a prejudicar milhões de trabalhadores com esta redação”, frisou, mostrando disponibilidade para continuar a trabalhar “para que esta diretiva rapidamente veja a luz do dia”.
E agora, como fica o processo?
A proposta da Presidência checa trata-se de uma orientação em relação à proposta de diretiva que a Comissão Europeia apresentou no final do ano passado para a proteção dos trabalhadores das plataformas, mais concretamente para que se distinga entre os trabalhadores genuinamente independentes e os que trabalham como se fossem dependentes, de forma a que a esses seja reconhecido um vínculo. Um dos pontos em que difere da orientação da Presidência checa é o facto de prever que para o reconhecimento do vínculo é preciso verificar-se a existência de dois (em cinco) critérios — chamados “indícios de laboralidade” — e não três (em sete), como propunha a Presidência checa.
Este era um dos pontos mais críticos a dividir os países, essencialmente em dois grupos. De um lado, países como Portugal, os Países Baixos e a Espanha, que pediam menos critérios para o reconhecimento do vínculo. De outro lado, países da Europa central e de leste que pediam até o aumento desses indícios. Tais países também queriam que a cláusula de suspensão — que garante que os trabalhadores sejam considerados dependentes assim que a presunção seja acionada e os procedimentos de refutação por parte da plataforma sejam desencadeados — fosse eliminada.
Caberá agora à próxima Presidência da UE — que será sueca, a partir de janeiro — tentar chegar a uma nova proposta de orientação que recolha o agrado da maioria dos países. Isso significa que vão passar meses até que haja nova orientação. Isso não impede os países de irem legislando sobre o trabalho nas plataformas (Portugal está a fazê-lo, no âmbito da chamada agenda do trabalho digno).