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Estados-membros divididos sobre regulação do trabalho nas plataformas digitais. Nova proposta sem aprovação garantida

Proposta da Presidência Checa da UE acrescenta intermediário à equação e sobe de 2 para 3 os critérios para um trabalhador ver vínculo laboral reconhecido. Ministros europeus votam na quinta-feira.

Continua a ser o principal pomo da discórdia para os Estados-membros da União Europeia, Portugal incluído: os chamados “indícios de laboralidade”, ou seja, os critérios que devem verificar-se para que um trabalhador das plataformas digitais (como a Uber, a Bolt ou a Glovo) seja considerado um trabalhador dependente — e, por isso, veja reconhecido um vínculo às plataformas.

A discórdia é particularmente visível numa altura em que a Presidência checa da UE tenta chegar a acordo com os Estados-Membros para aprovar uma orientação conjunta que propõe alterações à proposta de diretiva da Comissão Europeia, apresentada em dezembro do ano passado, que visa acabar com o falso trabalho independente nas plataformas. Esta quinta-feira, o Conselho de Ministros dos Assuntos Sociais da União vota a proposta, mas não é para já certo que passe ao crivo. Aliás, ao Observador, o Ministério do Trabalho português diz que a versão atual do texto “é um recuo face à proposta inicial e não garante o nível de proteção necessário para os trabalhadores em plataformas”.

A proposta de Bruxelas com um ano de vida falava em dois indícios de laboralidade, num total de cinco, que tinham de se verificar para que um tribunal obrigasse à vinculação de um trabalhador. Por cá, a proposta do PS mantém os dois indícios que têm de ser cumpridos, mas acrescenta à lista mais um possível critério, para um total de seis.

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Já a proposta da Presidência Checa do Conselho da UE, que vai a votos na quinta-feira, vem mudar as contas, e propõe que para a vinculação com a plataforma tenham de ser verificados três indícios em sete. Questionado, o ministério do Trabalho não revela como vai votar: “teremos que aguardar para conhecer a versão do texto apresentada pela PRES checa para nos podermos pronunciar”.

Ainda assim, a proposta mais recente da Presidência da UE, a que o Observador teve acesso, é nalguns pontos uma cedência aos países que estavam preocupados com o rumo que o texto conjunto estava a levar e um recuo face àquilo que chegou a apresentar. Mas não total.

Numa proposta mais antiga, de setembro, consultada pelo Observador, a Presidência checa falava em dois critérios que tinham de ser verificados, em cinco, para essa presunção de laboralidade. Neles, a plataforma:

(a) determina limites máximos da retribuição por tarefa ou por horas trabalhadas;
(b) obriga o trabalhador a respeitar determinadas regras no que toca à aparência, conduta ou performance;
(c) supervisiona a performance ou verifica a qualidade dos resultados, incluindo por meios eletrónicos;
(d) restringe a liberdade, incluindo com sanções, nomeadamente no que toca aos horário de trabalho, períodos de ausência ou na possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, ou subcontratar ou recorrer a substitutos;
(e) restringe a possibilidade de construir uma carteira de clientes ou trabalhar para outra parte.

Se dois destes critério fossem cumpridos, haveria lugar ao reconhecimento do vínculo. Até aqui nada muito diferente do que propõe a Comissão.

Porém, já nessa altura, a Presidência checa acrescentava a figura do intermediário, que é obrigatória em Portugal no regime dos TVDE (o transporte de passageiros, por exemplo com a Uber ou a Bolt) para deixar claro que os Estados-Membros deveriam garantir que o uso desta figura “não leva a uma redução na proteção” dos trabalhadores e que os direitos destes seriam garantidos.

Mas ia mais longe e definia que se apenas os critérios (a) e (b) fossem verificados não haveria lugar ao reconhecimento do vínculo: seria preciso um terceiro. Vários países não gostaram das alterações, Portugal incluído. Em outubro, em conjunto com Bélgica, Eslovénia, Espanha, Itália, Luxemburgo, Malta e Países Baixos, enviou uma carta dirigida à ministra do Trabalho e dos Assuntos Sociais da República Checa por considerar que as alterações dificultariam o desencadear da presunção de laboralidade.

Na carta, os países referiam que as negociações representam uma “oportunidade única” para garantir condições de trabalho “justas e decentes”, “incluindo através de intermediários”. “Estabelecer restrições ou derrogações a esta presunção legal apenas perpetuaria o desequilíbrio existente entre as plataformas e os trabalhadores que trabalham nelas, o que levou à existência de milhares de falsos trabalhadores independentes na Europa, e a condições de trabalho precárias através do abuso de contratos atípicos. Além disso, tornar o desencadear da presunção mais difícil poderia resultar numa maior incerteza jurídica“, lê-se.

Perante a oposição de Estados-Membros quanto a este e outros temas, a Presidência checa fez alterações no texto que quer ver aprovado, “para encontrar um equilíbrio que respondesse às preocupações dos Estados-Membros que temiam que demasiados trabalhadores independentes genuínos ficassem abrangidos pela presunção legal [de laboralidade] e salvaguardar a função da presunção de facilitar a correta classificação do falso trabalhador independente”, refere na nova proposta.

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A versão mais recente, consultada pelo Observador, sobe de dois para três os indícios — o que dificultaria o reconhecimento —, mas por outro lado desagrega uma das alíneas em três — o que pode ter o efeito contrário. Faz também alterações aparentemente mais cirúrgicas nas outras alíneas, passando a prever como indícios que a plataforma:

(a) determina limites superiores para o nível da remuneração (deixa cair a parte em que especifica que essa definição é por tarefa ou por horas trabalhadas);
(b) obriga o trabalhador a respeitar determinadas regras no que toca à aparência, conduta ou performance (aqui não há alteração);
(c) supervisiona a performance do trabalho incluindo por meios eletrónicos (retira a parte em que a plataforma tem de verificar a qualidade dos resultados);
(d) Esta alínea é desagregada em três. A (d) define que há indício de laboralidade quando a plataforma restringe a liberdade, incluindo com sanções, nomeadamente no que toca aos horários de trabalho ou períodos de ausência;
(da) prevê que o indício se verifica quando a plataforma restringe a liberdade “na possibilidade de aceitar ou recusar tarefas”
e a (db) na possibilidade de “subcontratar ou recorrer a substitutos”;
(e) restringe a possibilidade de construir uma carteira de clientes ou trabalhar para outra parte (mantém-se).

É ainda retirada a norma que obrigava a um terceiro indício se apenas se verificassem o (a) e o (b). Mas mantém-se a que define que “quando a plataforma digital cumpre qualquer um dos critérios” acima referidos “somente como resultado do cumprimento de uma obrigação legal sob uma lei da União, lei nacional ou acordos coletivos”, esse critério não deve ser considerado para efeitos de presunção de laboralidade.

Além disso, determina que quando a autoridade nacional competente está a verificar o cumprimento da legislação, pode não aplicar a presunção de laboralidade, “se for evidente que seria refutada com sucesso“. A Presidência checa também propõe que quando a plataforma contesta a decisão, os procedimento legais não tenham um efeito suspensivo.

A proposta mantém ainda que nos casos em que a plataforma recusa reconhecer um vínculo, o ónus da prova (em como esse vínculo não existe) cabe a ela própria. Mas também permite que seja o trabalhador a recusar essa relação, situação em que a plataforma pode ser chamada a fornecer toda a informação que tem sobre o trabalhador.

Aprovação é incerta

Com estas alterações, a Presidência da UE acredita que o texto representa uma “resposta de equilíbrio aos pedidos divergentes dos Estados-membros”. Várias versões têm ido a votos, mas até ao momento, com as alterações que têm sido feitas, não conseguiram maioria.

As opiniões entre os Estados-Membros dividem-se, o que torna incerta a aprovação por parte dos ministros europeus na quinta-feira. A Euractiv, rede de meios de comunicação pan-europeia, escreve que um grupo de países, incluindo Portugal, os Países Baixos e a Espanha, “pediram que fosse cumprido um limiar inferior de critérios, revertendo para a proposta da Comissão, e que fossem eliminadas as limitações à presunção legal”, segundo um documento que data de 25 de novembro.

Já outro grupo, diz o mesmo portal, que inclui países da Europa central e de leste, tem uma visão radicalmente diferente e pede até o aumento dos indícios necessários para que seja ativada a presunção legal — para quatro critérios em sete. Esses países também pediram que a cláusula de suspensão — que garante que os trabalhadores sejam considerados dependentes assim que a presunção seja acionada e os procedimentos de refutação por parte da plataforma sejam desencadeados —, fosse eliminada.

Para tentar ir ao encontro das pretensões de alguns países mais reticentes, foi acrescentada uma nova cláusula para esclarecer que a presunção legal não se deve aplicar aos procedimentos fiscais, penais e relacionados com a Segurança Social. Contudo, “os Estados-membros podem aplicar a presunção jurídica nestes processos no âmbito da sua legislação nacional”, ressalva-se.

Várias versões da proposta checa têm ido a votos nos últimos tempos, mas foram sempre rejeitadas, incluindo pelo Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados-Membros da União Europeia (COREPER). Na quinta-feira há nova tentativa, desta vez com os ministros da UE responsáveis pela pasta dos assuntos fiscais. Portugal será representando pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.

Até quinta-feira, a proposta pode ser alterada para ir ao encontro da maioria dos países. Se passar pelo crivo dos ministros, inicia-se depois a negociação com a Comissão e o Parlamento Europeu para uma redação final.  Se não passar, o processo liderado pela Presidência da UE — que a partir de janeiro será sueca — repete-se.

Proposta portuguesa prevê dois em seis indícios

A proposta portuguesa será discutida no Parlamento português esta terça-feira, e resulta de um processo de avanços e recuos. A sua aprovação, que está garantida devido à maioria PS, não está dependente do processo que se desenrola à escala europeia, que pode ainda demorar meses a ficar concluído.

A versão final assume que a presunção de laboralidade se pode verificar entre o trabalhador e a plataforma ou, se este existir, o intermediário se se verificarem dois em seis critérios. Quando a plataforma ou o intermediário:

a) fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital, ou ao operador intermédio que nela opere, ou são por estes explorados através de contrato de locação.

Ou seja, continua a admitir a figura do intermediário, que partidos como o Bloco de Esquerda queriam ver eliminada da proposta por considerarem que restringe a proteção aos trabalhadores.

A Presidência Checa também acrescentou a figura do intermediário à equação, admitindo que em certos casos, os trabalhadores das plataformas não têm uma “relação contratual direta” com a plataformas, mas com um intermediário através do qual trabalham. “Esta forma de organizar o trabalho na plataforma muitas vezes resulta em responsabilidades pouco claras entre a plataforma digital e os intermediários”. E por isso quer assegurar que “os Estados-Membros devem garantir que, sob esta Diretiva, estes trabalhadores têm o mesmo nível de proteção” do que as pessoas com vínculo à plataforma.

A proposta socialista também obriga as plataformas digitais a garantirem os créditos “emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação”, assim como “pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos”.

Quem já se disse contra a proposta portuguesa é a Associação Nacional Movimento-TVDE, que junta motoristas e intermediários, e que considera que “corta as relações já estabelecidas” entre operadores, plataformas e motoristas, “não sendo de todo aplicáveis” estes vínculos.

Artigo atualizado com a resposta do ministério do Trabalho

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