A pouco e pouco, vão sendo conhecidos mais pormenores sobre o escândalo Qatargate, que está a abalar o Parlamento Europeu e a gerar várias reações. Depois da prisão preventiva de Eva Kaili, ex-vice-presidente do Parlamento Europeu suspeita de ter recebido subornos para fazer lobby a favor do Qatar, também a mulher e a filha do ex-eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri foram detidas na semana passada, em Itália.
Mulher e filha de ex-eurodeputado detidas em investigação a lóbi ilegal do Qatar
É a partir do pedido de extradição da mulher e filha de Panzeri — que também é acusado de ter recebido pagamentos em troca de lobby para favorecer o Qatar e Marrocos — que é possível conhecer mais alguns pormenores caricatos destas movimentações.
O pedido de extradição apresentado por um procurador belga pede que Maria Dolores Colleoni, a mulher do ex-eurodeputado italiano, e a filha, Silvia Panzeri, sejam extraditadas de Itália para a Bélgica. O pedido, visto pelo jornal Politico, desvenda algumas das conversas familiares e discussões sobre os alegados pagamentos.
É referido, por exemplo, que as duas mulheres não só teriam conhecimento das supostas atividades ilícitas de Pier Antonio Panzeri, que recebia dinheiro e presentes em troca de favorecimento ao Qatar e Marrocos, como também usufruíam desse dinheiro. O pedido de extradição indica que as duas mulheres “aparentemente tinham total conhecimento destas atividades” e que até “participavam no transporte de presentes”.
O Politico revela que o dinheiro tinha origem numa pessoa descrita como o “gigante”, que estava ligado a um cartão de crédito. Quem era o “gigante”? Esse é um dos pontos que as autoridades pretendem descobrir. Ainda assim, os procuradores sugerem que alguns presentes tinham um remetente alegadamente conhecido: Abderrahim Atmoun, o embaixador de Marrocos na Polónia, cita o Politico. No entanto, não está determinado se o diplomata pode ser ou não o tal “gigante”.
Outro dos pontos caricatos que poderá ter denunciado a mulher e a filha de Panzeri, um antigo deputado socialista do Parlamento Europeu, foi a linguagem utilizada em discussões sobre as férias de Natal da família. O Politico cita que a mulher de Panzeri “viu os preços da viagem da família para a pausa de Natal” e que terá dito ao marido “que não podiam gastar 100 mil euros em férias, como no ano passado”. Aliás, terá inclusive existido uma queixa sobre a proposta de estadia das férias familiares, onde “9 mil euros por pessoa só para estadia parecia demasiado caro”.
Até aqui poderia pensar-se que se tratava apenas de férias luxuosas, mas os procuradores terão ficado atentos à linguagem escolhida – terá sido usada por Colleoni uma palavra em francês, que poderá ser traduzida para “esquemas”, para fazer referência “às viagens e negócios” do marido. Os procuradores consideraram a expressão “pejorativa” e notam que “sugere que o marido usava formas engenhosas e às vezes injustas para alcançar as suas ambições”.
O pedido de extradição deixa ainda perceber que a mulher de Panzeri terá demonstrado interesse em que o marido não fizesse nada sem o seu conhecimento. Mais um ponto que dá força à teoria dos procuradores belgas de que tanto a mulher como a filha teriam conhecimento desta movimentações ilícitas.
O documento frisa, ainda assim, que ambas são inocentes até prova em contrário, mas que há suspeitas sobre comportamentos menos lícitos entre janeiro de 2021 e o dia 8 dezembro deste ano – quando foram detidas pela polícia italiana.
As duas mulheres negaram às autoridades italianas qualquer envolvimento nestas atividades. A imprensa italiana avança que as duas mulheres estão em prisão domiciliária e que, na próxima semana, a 19 de dezembro, terá início a discussão sobre o pedido de extradição das duas mulheres.
Onde fica Marrocos na investigação?
O caso está a ficar conhecido por Qatargate, mas como já se percebeu, também Marrocos estará envolvido neste enredo. O jornal El Mundo escreve que o lobby marroquino tem relevo em Bruxelas — “mais do que o Qatar”.
No Twitter, o eurodeputado espanhol Miguel Urbán Crespo partilhou uma série de publicações sobre o tema, lançando a dúvida sobre se se deveria chamar “Qatargate ou Marrocosgate?”
“Nada disto é novo para quem anda pelo Parlamento Europeu”, afiançou este eurodeputado. “É um comentário generalizado que, durante as sessões plenárias, a embaixada marroquina tem praticamente um escritório permanente no bar dos eurodeputados. A questão é sobre que consequências tem isto.”
Nada de esto es nuevo para quienes andamos por el Parlamento Europeo. Es un comentario generalizado que, durante las sesiones plenarias, la embajada marroquí tiene prácticamente una oficina permanente en el bar de eurodiputados
La cuestión es qué consecuencias tiene esto. Veamos pic.twitter.com/sXWd7njF5F
— Miguel Urbán Crespo (@MiguelUrban) December 14, 2022
Na série de tweets, o espanhol menciona a portuguesa Ana Gomes. Aliás, no Twitter Ana Gomes escreveu esta semana que “não era só o Qatar”, também “Marrocos tinha estado a financiar Antonio Panzeri e os amigos há muito tempo no Parlamento Europeu”.
Além das dúvidas sobre o nome deste escândalo, há ainda outro ponto de divergência, nomeadamente na investigação em si. As autoridades belgas dizem que a investigação “está aberta há meses”, mas os meios locais dizem que poderá ter começado antes, em 2021. Meios como o De Morgen ou o De Standaard escrevem que o ponto de partida poderá ter sido dado pelos serviços secretos belgas, motivados por “uma possível ameaça à segurança de Estado e ingerência estrangeira”.
(Atualizada às 21h40 com mais informação)