O Supremo Tribunal negou esta terça-feira o pedido de habeas corpus por alegada prisão ilegal do ex-ministro Manuel Pinho, pedida horas antes de ser conhecido o despacho de acusação que lhe imputa dois crimes de corrupção passiva e de branqueamento de capitais, num processo em que Ricardo Salgado é acusado de ter sido o seu corruptor. Pinho é acusado de ter recebido uma avença mensal de 14.963, 94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso saco azul do Grupo Espírito Santo (GES).

Manuel Pinho, que perdeu o habeas corpus por 24 horas, pondera recorrer para o Tribunal Constitucional: é que para os seus advogados a medida de coação privativa da liberdade conta a partir do dia em que foi detido, mas para os juízes conselheiros do tribunal superior só conta a partir do despacho do juiz de instrução que determinou, neste caso, a sua prisão domiciliária.

O requerimento de habeas corpus por prisão ilegal de Pinho entrou no Supremo Tribunal de Justiça via fax e email após a meia-noite da última quinta-feira, logo após terminar o dia 14. O advogado Ricardo Sá Fernandes defendeu que como Manuel Pinho tinha sido detido um ano antes, a 14 de dezembro de 2021, e não havia ainda um despacho final do caso, extinguia-se automaticamente a medida de coação.

Defesa de Manuel Pinho avançou com pedido de habeas corpus por prisão ilegal

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“O espírito da lei é precisamente o de evitar que alguém esteja em situação de privação da liberdade durante um prazo superior àquele estabelecido por lei (in casu, de 1 ano), sem conhecer qualquer acusação que exista contra si”, argumentou Ricardo Sá Fernandes no seu requerimento, tal como o Observador então noticiou.

Uma questão de contagem de prazos

Ricardo Sá Fernandes alegou o mesmo esta terça-feira pelas 10h00 no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça perante os juízes conselheiros, num requerimento lido em que lembra que desde 14 de dezembro que o antigo governante está detido. Sá Fernandes focou os seus argumentos em três questões: apesar de a lei prever a figura de habeas corpus para casos de prisão preventiva, deve estender-se a casos de prisões domiciliárias; o prazo de contagem da medida de coação deve começar no dia da detenção do suspeito e, por fim, deve terminar no dia em que o suspeito é notificado da acusação.

O Ministério Público, pela voz do procurador José Franco Pinheiro, disse não haver questão quanto à aplicação da figura de habeas corpus a presos em casa, como aliás tem sido entendimento do Supremo. No entanto, contestou a contagem do prazo feito pela defesa, lembrando que a contagem começa sim a partir do despacho que determina as medidas de coação e não no dia detenção. Manuel Pinho foi detido a 14 e presente ao juiz a 15 e o despacho é desse dia. Também em relação ao fim do prazo, o procurador lembrou que a doutrina tem admitido a data do despacho de acusação e não da notificação do mesmo. “Não tem história”, afirmou, lembrando que esta é uma situação como tantas outras e pedindo aos juízes que recuse o pedido de Pinho.

O advogado Ricardo Sá Fernandes  ainda voltou a intervir para desvalorizar, depois, o final da data do prazo. “Não estamos a falar de três semanas”, afirmou. Mas lembrou que a lei não refere que o prazo começa a contar no dia da determinação das medidas de coação privativas da liberdade. “Estou aqui hoje para me bater pelo que está escrito na lei, o que está na Constituição e o que é justo”, disse, sublinhando que um ano é tempo suficiente para proferir a acusação. “A privação da liberdade merece respeito” da justiça, seja em caso de detenção, em caso de prisão preventiva ou de prisão domiciliária”.

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Decisão foi conhecida pelas 15h00. E não deu razão a Manuel Pinho

A decisão dos juízes conselheiros Orlando Gonçalves (relator), Maria Carmo Silva Dias e Leonor Furtado (adjuntas) seria depositada na secretaria do tribunal às 15h00. Ao que o Observador apurou, o pedido foi considerado “improcedente”.

Segundo a decisão a que o Observador teve acesso, e sendo o processo considerado de especial complexidade, o prazo para extinção de medidas de coação privativas da liberdade é de um ano. Assim, o tribunal concluiu que a medida de coação de Manuel Pinho extinguir-se-ia às 24h00 do dia 15 de dezembro de 2022, e não à meia noite — como alegou a defesa. “Estando provado que em 15 de dezembro de 2022, o Ministério Público deduziu a acusação” o prazo extintivo “não ocorreu”, lê-se.

É do entendimento deste tribunal superior, tal como tinha pugnado o procurador do Ministério Público, que o prazo da medida de coação privativa da liberdade começa a contar no dia em que um juiz de instrução faz um despacho a determiná-la, e não no dia da detenção do suspeito. E que o prazo termina na data inscrita na acusação, e não da notificação aos visados. O que significa, nalguns casos, uma margem superior à que Ricardo Sá Fernandes entende.

Defesa de Pinho pondera recorrer para o Constitucional

Num comunicado enviado aos jornalistas, a defesa de Manuel Pinho –  assegurada pelos advogados Ricardo Sá Fernandes e Inês Rogeiro – reitera que na sua interpretação da lei, “a falta de acusação no prazo de um ano (seja por detenção, validada por um juiz, seja por prisão preventiva, seja por obrigação de permanência na habitação) implica a caducidade da medida privativa da liberdade que tenha sido decretada”.

A defesa respeita a decisão do Supremo tribunal “que segue uma das interpretações possíveis para a lei”, mas pondera a possibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional.

O prazo máximo de prisão domiciliária corresponde agora ao da decisão instrutória, caso seja requerida a instrução pelos arguidos. Esta fase processual visa levar a acusação a um juiz de instrução para avaliar se existem provas suficientes para o caso seguir para julgamento.

Em maio o Supremo tinha rejeitado um pedido idêntico de Manuel Pinho, que pretendia deixar de estar em prisão domiciliária com pulseira eletrónica. “A providência de habeas corpus tem uma natureza excecional destinada a assegurar o direito à liberdade, mas não é um recurso. É um remédio para ultrapassar situações de prisão decretada a coberto de ilegalidade grosseira, e este remédio não pode ser utilizado para invocar deficiências processuais ou ilegalidades que tenham no recurso a sua sede própria de apreciação”, consideraram na altura os juízes conselheiros que recusaram o pedido.