O caso Rita Marques, revelado em exclusivo pelo Observador, continua a dar que falar. O investigador Luís de Sousa defendeu no programa “Justiça Cega” da Rádio Observador que as sanções pela violação da lei das incompatibilidades devem ser agravadas e o foco deve ser a retirada dos benefícios concedidos aos privados.

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Recorde-se a ex-secretária de Estado do Turismo passou a ser administradora de uma holding (The Fladgate Partnership), que detém uma empresa chamada HILODI – Historic Lodges & Discoveries à qual Rita Marques concedeu em 2022 estatuto de utilidade turística, o que dá direito a vários benefícios fiscais e financeiros.

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“Parece-me que houve uma violação do impedimento no pós-exercício de funções. A forma como está desenhado este impedimento não tem um efeito dissuasor por duas razões: não tem praticamente nenhuma aplicabilidade na maioria dos casos de conflitos de interesse” e “quando se aplica” também “não tem consequências efetivas para o prevaricador”.

Para o professor universitário, qualquer sanção útil passa pela empresa beneficiada. Ou seja, “retirar os benefícios concedidos” ou “anular toda e qualquer decisão que tenha sido tomada durante o mandato da titular de cargo político a favor da empresa” que contrata a ex-titular de cargo político. Como foi o caso da holding do setor do turismo que contatou Rita Marques.

“Só assim é que ficará assegurado o efeito dissuasor da sanção prevista”, conclui Luís de Sousa.

António Costa brincou com o fogo no caso Miguel Alves

Na segunda parte do programa “Justiça Cega”, Luís de Sousa analisou igualmente a criação de um sistema estrutural de vetting junto do Governo para avaliar os candidatos a membros do Executivo.

“É arguido? Já foi acusado e/ou condenado? Tem problemas administrativos ou criminais com o fisco?
Qual o seu percurso profissional e em que conflitos de interesse incorre?” — estas são algumas das perguntas que, segundo o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o Governo deve passar a fazer a quem for convidado para fazer parte do Executivo.

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“Faz sentido essas e outras perguntas. A verificação prévia das condições para exercer um cargo com independência, imparcialidade e também com competência pode levar à recolha de informações sobre o percurso do candidato, mas tem também com riscos de integridade”, diz o investigador.

Riscos de integridade esses que devem ser avaliados com informação precisa sobre “atividades profissionais, eventuais interesses em empresas, serviços de consultadoria que tenha prestado” e até pode ir aos “donativos recebidos em campanhas eleitorais. Até porque os candidatos podem ser fontes de financiamento por via de donativos”, afirmou o professor universitário.

Certo é que a classe política tem de passar a olhar com outros olhos para os processos de vetting.

“Porque é que a desvalorização da informação muitas vezes acontece? Porque a escolha de governantes incide sobre dois critérios: competência e de confiança pessoal. O problema é que o critérios de confiança pode fazer com que outras matérias sejam subestimadas”, explica o investigador.

Foi o que aconteceu com António Costa, que convidou Miguel Alves, mesmo sabendo que era arguido em dois processos criminais? “Para quem está de fora, essa situação é um pouco incompreensível. Isso foi mesmo ‘brincar com o fogo’, subestimar os riscos, antecedentes e informação factual sobre a pessoa em questão”, critica Luís de Sousa.