O ano não podia ter sido politicamente mais conturbado para o Governo, ainda que António Costa tenha tido em mãos a maioria absoluta que nunca teve. Um ano depois dessa conquista, o PS quis prestar contas ao que fez, com o líder a resumir a um minuto e a uma palavra o lado mais negro deste período da história: “Não há caminhada que não tenha percalços, mas era importante que por cada percalço não houvesse um sobressalto”. Por enquanto, não houve — e, por agora, o Presidente da República parece pouco para aí virado. Mas a maioria socialista é hoje acusada de ser absolutista — e isso deixou em alerta o próprio partido.

As últimas semanas, de resto, têm sido de tentativa do Governo de desmontar essa tese. O comício desta tarde, em Viseu, foi mais um desses momentos, com António Costa a garantir, num palco 360º e entre militantes, que a sua maioria “foi capaz de dialogar com parceiros, com todos os autarcas e com todas as oposições na Assembleia da República”. “Não somos uma maioria que engole o poder, mas que partilha o poder com toda a sociedade”, garantiu no dia em que tem os professores em protesto na rua.

A tentar prová-lo, Costa voltou a acenar com as “67 propostas de alteração” da oposição que o PS aprovou nas votações do último Orçamento do Estado. Mas também com o acordo de concertação social, o acordo com os sindicatos da Função Pública e o acordo para a descentralização de competências para as autarquias — aqui, voltou à carga na pedagogia sobre a distribuição do poder: “O poder não é propriedade de ninguém; é uma ferramenta que deve estar nas mãos que melhor servem os interesses do país”.

Além da imagem absolutista, há outra que saltou à vista no balanço deste ano de maioria: o número de casos com implicações políticas que o próprio já classificou de “graves”, como a que envolveu o seu ex-ministro Pedro Nuno Santos. Mas, nesta intervenção em Viseu, Costa foi breve na análise desse capítulo, que reduziu à análise genérica de não existir “caminhada sem percalços“.

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Depois tentou contrapor a imagem de um líder que não está isolado, mas a trabalhar em conjunto. Ou nas suas palavras a “correr uma maratona” até à meta, 2026, onde garante que não vai “chegar sozinho, mas com todos“. “Esta não é a minha corrida, isto é a corrida do nosso país”, disse o socialista, mesmo no final da intervenção e depois de ter jurado — mais uma vez — que ficará até ao final do mandato. “Mesmo que os músculos possam doer muito.”

Já tinha entrado no palco a fazer por passar a imagem da modéstia, quando pediu a quem ali estava no Pavilhão Multiusos de Viseu, que “descontassem o exagero das palavras” que os oradores que o antecederam, João Azevedo e José Rui Cruz, lhe tinham dedicado.

Um ano depois, o socialista continua acreditar que os portugueses mantêm a mesma ideia que tiveram quando votaram no PS. Queriam estabilidade e não “eleições de dois em dois anos a interromperam sistematicamente o trabalho” do Governo. E prometeu até vir todos os anos prestar contas sobre o seu trabalho na governação.

Para futuro, prometeu não vir “desculpar-se com a realidade inesperada” para dizer que não cumpriu o prometido e também pediu calma. Vale para fora e para dentro do próprio partido, desgastado com os casos do último anos (com especial intensidade e impacto no último mês). “Esta legislatura não é uma corrida de cem metros, é uma maratona. Começou em 2022, mas continuam em 2023, 2024, 2025 e ainda continua até outubro de 2026.”

“Perplexo” com Montenegro. E com recados para os “ansiosos”

A intervenção passou em revista várias áreas da governação, com destaque especial para a execução do PRR onde Costa aproveitou para atirar ao PSD. Esta sexta-feira, em Luís Montenegro acusou o socialista de estar a estimar custos “muito aquém” dos valores reais e como isso pode “enganar os municípios” e, no futuro, “onerar ainda mais as dificuldades financeiras das autarquias”.

O líder do PS disse ter ficado “perplexo” com a queixa de Montenegro de “estar a andar depressa demais” e a sugerir “despesismo” do PS. “Mas não governamos nem com, nem para a oposição”, atirou em resposta, garantindo que vai “continuar o ritmo”, acenando com “um terço do PRR” já desbloqueado para Portugal — o prazo de execução, que termina em 2026, é uma lâmina constante sobre a cabeça deste Governo que termina funções precisamente nesse ano.

Ainda com Montenegro na mira, Costa disse “as maratonas não se correm com ansiedade”. “Há muita gente que, porque não tem fôlego ou é ansiosa, queria que outubro fosse já amanhã; mas nem o Viriato conseguiria” — Montenegro veio esta semana dizer que se Costa não provar capacidade para governar, ele mesmo irá a Belém pedir eleições antecipadas ao Presidente da República.

Outra frente de combate ativa — e neste dia em particular de protestos — tem sido a dos professores, mas António Costa não fez mais do que explicar o que está em cima da mesa das negociações, com especial foco para a questão da vinculação.

Depois ainda sobre outra área que tem estado sob fogo, a justiça. Aí, Costa aponta à necessidade de manter o “combate à corrupção que mina a democracia e a leal concorrência e economia, gerando desconfiança dos cidadãos sobre quem exerce funções de responsabilidade”. “Há que separar o trigo do joio e ter as pessoas a confiar na Administração Pública”, pediu numa altura em que os casos de Justiça já atingiram membros do seu Executivo.