O relatório policial sobre a interação entre agentes policiais de Memphis e Tyre Nichols — um jovem negro de 29 anos que acabaria por morrer três dias depois do incidente — não inclui algumas das agressões dos agentes captadas em vídeo e descreve supostas ações violentas do suspeito que não foram registadas pelas bodycams usadas pelos polícias.

O relatório foi consultado pelo The New York Times e pelo The Washington Post, que destacam a “disparidade” entre o testemunho dos agentes e as imagens, estando os dois relatos “totalmente em desacordo”.

O caso de Tyre Nichols já levou à demissão dos cinco agentes, que foram judicialmente acusados de homicídio. A unidade especial de polícia a que pertenciam, a SCORPION, foi desmantelada.

Depois da morte de Tyre Nichols, polícia de Memphis desmantela unidade especial de polícia envolvida no caso

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No relatório escrito algumas horas após o incidente, os agentes descrevem que mandaram Nichols parar, na sequência de uma ação de trânsito rotineira. Dizem que quando o jovem saiu do carro “ocorreu um confronto” e que, mais tarde, Nichols fugiu a pé, altura em que “outro confronto ocorreu”.

Segundo o Times, o relatório refere várias vezes a convicção dos agentes de que o suspeito estaria sob o efeito de drogas, algo que não foi comprovado até agora.

Os agentes escrevem que, num desses momentos de “confronto”, o suspeito ter-se-á “atirado” a um agente e tentado agarrar a sua arma. Dizem ainda que Nichols puxou o cinto de um dos polícias e o colete de outro. Nenhuma destas ações é visível nos vídeos divulgados. Os agentes admitem, contudo, que para imobilizar Nichols recorreram a gás pimenta e a um taser e que um dos agentes terá atingido o suspeito com um bastão no braço.

Na sequência desses “confrontos”, dizem, “o suspeito queixou-se de que teria falta de ar”, razão pela qual foi transportado para o hospital “em estado crítico”.

Vídeos mostram agressões dos agentes não incluídas no relatório

Os vídeos mostram uma situação algo diferente. Os agentes aproximam-se do carro de armas em riste, enquanto insultam o suspeito e o tiram à força do carro. Gritam repetidamente para ele se deitar no chão, mesmo quando Nichols já está no chão, onde é colocado à força pelos agentes. “Só quero ir para casa”, diz o jovem. Apesar de não estar a resistir, um dos agentes atinge-o com um taser. 

De seguida, Nichols liberta-se e foge a correr em direção à casa da sua mãe, que fica ali perto. Os agentes perseguem-no a pé. Quando o apanham, atingem-no várias vezes com gás pimenta. Nesta altura, o jovem grita várias vezes pela mãe, para que o venha ajudar. Com Nichols já manietado, os agentes esmurram-no (inclusivamente na cabeça) e pontapeiam-no várias vezes. Estas agressões não são referidas no relatório policial.

Os vídeos mostram ainda que os efeitos das agressões sobre o jovem não se resumiram à “falta de ar” mencionada no relatório. Nichols não consegue manter-se de pé, sendo deixado sentado, encostado a um dos carros da polícia, enquanto espera pela chegada de uma ambulância. Por vezes, o jovem escorrega e cai, não conseguindo manter-se sentado.

A ambulância chega ao fim de 22 minutos de espera. Os agentes estão a conversar sobre o assunto descontraidamente, por vezes rindo-se.

Questionado pelo Washington Post, o presidente da Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP) de Memphis, Van Turner, classificou o relatório policial como “fabricado”. “Quem lê o relatório não pensa que o Tyre morreu por uso excessivo de força. Está escrito de forma a parecer positivo para os agentes”, disse o responsável.

O jornal lembra que noutros casos de agressão a jovens negros pela polícia também vários dos relatórios policiais suavizavam as descrições do que aconteceu ou omitiam detalhes importantes. No caso de George Floyd — que morreu depois de um agente pressionar o seu pescoço e costas com o joelho durante mais de nove minutos, enquanto gritava “Não consigo respirar” —, o relatório descrevia apenas que Floyd “parecia estar em desconforto médico” enquanto era manietado pelo agente. No caso de Breonna Taylor, morta depois de ter sido atingida com seis tiros pelos agentes da polícia de Louisville, o relatório policial dizia que a jovem não tinha qualquer ferimento a registar.